O vídeo está nas redes sociais. Publicado originalmente no Twitter, viralizou e já bateu a casa dos milhões, entre compartilhamentos e envios por grupos de Zap, Instagram, Facebook e nos sites de notícias. O debate público sobre o conteúdo do vídeo tem crescido minuto a minuto – como tudo que viraliza no universo digital.
Você não viu? Eu resumo aqui: três garotas calouras de uma universidade particular de Bauru, cidade do interior de São Paulo, debocharam de uma colega da classe , também caloura, porque ela teria “40 anos”. Segundo as jovens, com aquela idade a mulher “deveria estar aposentada” e não fazendo graduação numa faculdade.
Agora respire fundo e não deixe a raiva subir à cabeça. Na hora que eu vi o vídeo das três mocinhas de Bauru, ontem à noite, fiquei bem irritada. O ímpeto era dizer o que me viesse à cabeça. Algo como “a hora de vocês vai chegar”, “tenho muito mais conhecimento do que a soma do conhecimento de vocês três juntas” ou “na minha época tratava-se com respeito a sabedoria dos mais velhos”….
Após uma boa noite de sono e refeita da raiva que fez pulsar as minhas veias e estimulado a produção de adrenalina no meu corpo, refleti melhor sobre o fato. Antes de mais nada só tenho uma coisa a dizer às três meninas de Bauru: juntem-se à colega mais velha, se ela quiser, claro. A mulher de “40 anos”, que pelo que eu soube tem 45 (que horror!!!), pode enriquecer o debate, as dúvidas, os questionamentos em sala de aula. Tenho certeza que sim. Dividam de uma forma que vocês entram com o conhecimento sobre a tecnologia e ela, com o conhecimento da vida vivida. Todo mundo vai sair ganhando.
O preconceito contra pessoas 50+, que por causa deste vídeo viralizado se amplia a quem está com 40, acontece em todos os lugares e de diferentes formas. Tem até um nome para uma boa hashtag: etarismo. O preconceito por causa da idade. O etarismo é mais sentido no mercado de trabalho, onde pessoas 50+ são demitidas porque custam caro para as empresas. Troca-se um profissional experiente e qualificado por dois empregados recém-formados, com metade do custo e ainda dá para aumentar a margem de lucro do negócio.
Conheço muito essa história e passei por experiências deste tipo nos últimos seis anos. Não cheguei a ser demitida do meu último emprego como jornalista por causa da idade. Porém, nunca mais consegui um trabalho – me sujeitaria a ganhar menos e até a ser PJ (a famosa pejotização) – para continuar produzindo, trabalhando. Mas o mercado de jornalismo não tem trabalho para mim.
Sofri, chorei, processei tudo isso, iniciei vários projetos, tomei decisões e mesmo com a veia de jornalista pulsando, vi que o melhor seria deixar essa parte da minha vida para trás e manter na lembrança as reportagens que fiz, os profissionais que ajudei a formar, os amigos conquistados… uma vivência só minha e que só quem vive tem.
Entrei com a papelada no INSS, solicitei aposentadoria e há um ano sou uma pessoa aposentada. Porém, muito ativa. Continuo fazendo trabalhos pontuais – a aposentadoria não cobre as despesas da minha família –, divido os trabalhos domésticos com marido e filha, e, recentemente tomei a melhor decisão que poderia tomar para mim: voltei a estudar.
Aos 58 anos, ingressei na graduação de Serviço Social numa universidade em São Paulo (capital). Portadora de diploma, consegui a vaga sem fazer nenhuma prova.
Diferentemente do episódio que viralizou, fui muito bem tratada e acolhida pelo grupo. Foi um tal de um ajudar o outro… As aulas começaram há duas semanas e em tão pouco tempo posso dizer com certeza que foi a melhor coisa que fiz por mim nos últimos tempos. Além de ter gente para conversar, do conhecimento apreendido diariamente, a vivência com aquelas pessoas, cada uma sendo única e com história e trajetórias tão diferentes, têm deixado minha mente à mil.
Ao contrário das meninas de Bauru, o conhecimento e a vivência que tenho nesses quase 60 anos de vida tem sido valorizado pelos meus e pelas minhas colegas de classe. Aprendo com eles e elas todos os dias e entre tantos tenho até aqueles com os quais já rolou afinidades – mesmo com a diferença de idade. Sabe o que aconteceu? Fui escolhida Embaixadora de Turma – um nome mais atual para a antiga função de representante. E vou me empenhar muito para ajudar o grupo a ter um curso melhor. O legal também é que não sou a única. Temos um time de grisalhas e um grisalho aprontando e participando das aulas. Todos juntos: brancos, negros, indígenas, migrantes, mulheres, homens e LGBTQIA+, sem etarismo.
Estou me sentindo de volta ao mundo. Percebi que estava me tornando invisível. O que vou fazer com o diploma de assistente social? Veremos. Posso tudo. E você?
Fonte: IG Mulher