As declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a guerra da Ucrânia não impactam apenas a relação entre o Brasil e grandes potências mundiais, mas também qualquer tentativa de o petista mediar um acordo de paz entre russos e ucranianos. Especialistas acreditam que a imagem de Lula está desgastada e, por isso, deverá ficar mais recluso sobre o tema.
Na última semana, Lula esteve na China, onde assinou dezenas de acordos comerciais. Em pronunciamentos, o petista acusou a Ucrânia de também ser culpada pela guerra, o que gerou protestos da comunidade internacional.
O presidente brasileiro ainda acusou os Estados Unidos e a União Europeia de prolongarem o conflito, financiando a entrega de tanques e munições aos ucranianos. A situação de Lula ficou ainda mais complicada após receber a visita de Serguei Lavrov, chanceler russo e braço-direito de Vladimir Putin .
Desde que assumiu o Palácio do Planalto, Lula tem se reunido com autoridades para formalizar um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia. O próprio petista tem interesse em comandar as negociações e já conversou com o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o presidente da França, Emmanuel Macron, sobre o tema.
Entretanto, as últimas falas do presidente brasileiro afastam a possibilidade de qualquer acordo de paz. Para especialistas, as críticas públicas de Lula às grandes potências colocam sua credibilidade em xeque com outras potências.
“O pacto imediato é a perda de credibilidade do presidente brasileiro como um possível mediador de qualquer negociação de paz. Qualquer um que não apoie cegamente a Rússia, entende que os russos invadiram a Ucrânia pura e simplesmente. A Ucrânia não estava se armando, a Ucrânia não estava se preparando para invadir a Rússia, ela foi invadida”, afirma Gunther Rudzid, professor de relações internacionais da ESPM.
“Dizer que os dois tem parcela de culpa nisso é tentar justificar de qualquer forma a invasão russa. Portanto, para os ucranianos e para o Ocidente, ele perder qualquer credibilidade para ser negociador de paz”, completa.
Para o professor de Relações Internacionais do Ibmec-SP, Alexandre Pires, Lula precisava ter tido cautela nas declarações. Ele ressalta que o petista não pensou nas consequências quando culpou a Ucrânia pelo conflito.
“Deu a entender, devido à aderência ao conteúdo do que foi falado, que o Brasil neste novo governo está se realinhando. Ou seja, abandonando o alinhamento com os Estados Unidos e o ocidente e buscando um alinhamento bastante explícito com China e Rússia. O sinal mais preocupante para o Brasil é a partir de agora, pelo menos durante as próximas gestões do governo do PT, ter um alinhamento, ainda que seja disfarçado, com a China”.
As declarações do petista puderam ser sentidas nos acordos comerciais com a Europa. A SAAB, empresa sueca responsável pelos caças Gripen, por exemplo, estuda travar o acordo de cooperação com a Embraer. Os suecos iriam bancar o projeto de melhorias do KC-390, avião cargueiro da fabricante brasileiro
“Surgiram notícias de que talvez a Suécia não vá aprofundar mais a cooperação entre a SAAB e a Embraer. Havia um início de negociação sobre a SAAB ser a patrocinadora do KC-390 para que o avião seja vendido no mercado europeu. Se começou a conversa de que esse aprofundamento pode não ocorrer, vai ficar estacionado do jeito que está e não haverá mais aprofundamento tecnológico desse processo”, afirma Gunther. O iG confirmou a informação com uma fonte ligada à Embraer. Em nota, tanto a empresa brasileira quanto a Saab negaram o cancelamento do acordo.
Além do acordo de cooperação empresarial, o Brasil também poderá ter o que deseja desde a eleição do ano passado: uma renegociação entre o Mercosul e a União Europeia. Entretanto, Lula poderá não ter sucesso em um eventual acordo com os europeus.
“Possivelmente a União Europeia, agora, concorde com o presidente Lula em renegociar o acordo Mercosul-União Europeia que já tinha sido fechado. Os europeus se disseram surpresos quando Lula disse que queria renegociar. Diante de tudo isso, eles podem querer renegociar a medida que pode ser, possivelmente, prejudicial ao governo brasileiro”, explica Gunther.
“O Brasil tem tido, há anos, muitas dificuldades para tentar negociar qualquer coisa, seja com os Estados Unidos, seja com a União Europeia. Agora nós temos um acordo que seria com o Mercosul. É a única maneira do Brasil ter relações comerciais com os europeus e, com as falas, pode ficar um pouco emperrado [as negociações]”, afirma Pires.
Impacto com as grandes potências
As críticas de Lula repercutiram negativamente no cenário internacional. A União Europeia, por exemplo, rebateu o brasileiro e disse que apenas a Rússia é a culpada pelo conflito.
Já a Casa Branca afirmou ter ficado surpreendida com as falas do petista. O governo Joe Biden, porém, pretende manter os laços com o Brasil.
“Aquela tentativa do Lula de se destacar internacionalmente, recebendo autoridades americanas e europeias após sua posse, pode ter ido por água abaixo”, ressalta Alexandre Pires.
“A primeira reação já aconteceu, que é aquela que nós chamamos de nível diplomático. Os chefes dos Ministérios de Relações Interiores e alguns diplomatas que estão localizados nessas áreas se manifestaram contra a fala brasileira”, completa.
Visita à Ucrânia
Lula foi convidado, mais de uma vez, pelo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, para visitar Kiev. O chefe do Planalto não respondeu aos convites.
Na visão do professor da ESPM, essa visita reduzia a imagem ruim criada pelo petista com as declarações.
“Olha, acho que seria tentar marcar o mais urgentemente possível uma viagem para a Ucrânia. O Planalto já foi convidado. Chamaria mais atenção. O ex-embaixador Celso Amorim esteve na Rússia recentemente, por que ele não poderia fazer uma visita à Ucrânia?”, questiona Gunther.
Alexandre Pires discorda e ressalta não há segurança para a ida de Lula à Ucrânia. Segundo o professor, apenas a Rússia poderia receber a visita do petista sem riscos ao presidente brasileiro.
“Não é possível o Lula agora fazer uma visita à Ucrânia porque existe um aparato de segurança necessária para uma visita numa zona de guerra. O presidente americano consegue fazer, algumas autoridades europeias conseguem fazer, porque eles têm todo um suporte, inclusive de suas próprias forças que estão em campo. No caso do Brasil não existe esse aparato. Agora, uma visita à Rússia não teria esse problema. Os russos têm maior contingente para garantir a segurança de Lula”, afirma.
“Como não conseguirá visitar à Ucrânia, o Lula provavelmente vai se afastar um pouco desse tópico e tentar se posicionar melhor. Talvez, agora, ele vai tentar fazer uma finalização mais pela Europa e para os Estados Unidos, tentando mitigar o estrago que foi feito”, completa Pires.
Fonte: Internacional