O assunto pode parecer trivial, mas tenho a oportunidade de pensar nele quase todos os dias, basta eu utilizar ônibus, avião, metrô ou qualquer outro transporte coletivo. Porém, por mero recurso discursivo, começarei por um fato que ocorreu recentemente.
Eu e a minha namorada, Fernanda, estávamos em um voo para um país da Europa, sentadas naquelas cadeiras típicas de três lugares. Durante as 12 horas em que durou a viagem, pudemos observar o homem que estava sentado ao meu lado ficar de pernas abertas, se espaçando para o lugar do meu assento, com as duas mãos na nuca batendo o cotovelo na minha cabeça, me acotovelando no apoiador dos braços durante a viagem. O incômodo foi tanto que, em determinado ponto do trajeto, apesar da barreira idiomática, pedi a ele que, por favor, se reservasse a usar o espaço que lhe cabia em sua poltrona, sinalizando com a mão até onde o meu espaço ia e onde o dele começava, pois estava me incomodando.
Cheguei a lembrar do meu pai que me educou com uma frase muito boa: “O seu direito acaba quando o do próximo começa”. Voltando à história, ele sorriu e disse que entendeu, mas, em poucos minutos, tudo já havia começado de novo.
Conversando sobre o assunto, Fernanda e eu chegamos a duas conclusões: 1) esta postura dos homens, mesmo os mais moderninhos e educados, de se refestelar em espaços coletivos é um gesto simbólico da estrutura social, na qual não somente acham que não são obrigados a se delimitar a um determinado espaço que lhes cabe em prol de temas, espaços e lutas relevantes para outros grupos sociais. Há uma lacuna no entendimento e do pensar de que “eu ocupo meu espaço, NEM MAIS NEM MENOS para que você também tenha o direito de ocupar o seu”, mas, ainda mais grave; 2) é a própria negação do espaço do outro ou da outra em si “Eu ocupo o meu espaço e o seu espaço, porque você não tem direito a espaço nenhum”.
Notamos a dificuldade do homem (branco, heterocisnormativo, sem deficiência) em se perceber como parte dessas mudanças que os novos tempos trazem, com relutância em aceitar que o seu espaço é do mesmo tamanho que o de grupos que, historicamente, estiveram em desvantagem social para sustentar seus privilégios.
Quando um homem se senta no ônibus, metrô ou avião e abre as pernas, ocupando dois espaços, obrigando a pessoa ao lado a se encolher, ele está comportamentalmente dizendo que “você não tem direito a espaço nenhum”, “todos os espaços são meus”. Notem a força dessa atitude e o quanto ela reproduz questões estruturais profundas.
Essa prática é tão recorrente no Brasil e no mundo que, além de analisada, é chamada de “manspreading” ou “man-sitting”, que não têm uma tradução literal para a língua portuguesa, mas que reflete a prática retratada neste artigo.
Este fato ocorreu há uma semana, e eu já havia me esquecido que queria escrever sobre isso! Porém, novamente uma semana depois em outro aeroporto, tive que pegar o ônibus até o avião. Havia um único lugar, e lá estava outro homem com as pernas abertas a ponto de ocupar dois lugares. Pedi licença, me sentei e ele, da forma como estava, ficou. Foi o tempo do trajeto inteiro assim, sem mover um milímetro do espaço que considerava seu por direito.
Pensei no quanto eu seria chamada de “mimizenta” (termo utilizado para reduzir a dor de alguém a mera reclamação indevida, ou mal-humorada, quando na verdade está se reivindicando um espaço que há muito já deveria lhe ter sido dado por justiça) se toda vez que isso acontecesse eu reclamasse da forma devida, ou mais, o quanto eu deixaria este comportamento impactar momentos da minha vida por ter que estar, constantemente, ensinando sobre respeito ao próximo, educação e boas maneiras a homens adultos, o que não aprenderam dentro de suas casas ou que, se aprenderam, acabaram por esquecer ao longo de suas trajetórias.
Se a minha palavra não serve, uso aqui a de um homem, e repito o que meu pai me dizia, “seu espaço acaba quando começa o do outro”. Seja no ônibus, no metrô, no avião, com suas famílias, nas empresas ou na rua!
Fonte: Mulher