O governo de São Paulo ignorou o orçamento e reduziu os investimentos destinados a programas sociais do estado entre janeiro e setembro deste ano. Os dados foram confirmados pelo iG junto à Secretaria da Fazenda.
De acordo com a secretaria, o governo Tarcísio de Freitas investiu apenas 1% do orçamento previsto para pessoas em situação de vulnerabilidade social cadastradas no Bolsa do Povo. A dotação inicial previa o investimento de R$ 542 milhões para esse público, mas apenas R$ 3,5 milhões foram pagos até o dia 28 de setembro.
Criado em 2021, o programa é uma espécie de Bolsa Família do estado e prevê o pagamento de parcelas de até R$ 500 para a população de baixa renda. Dos três programas na alçada na pasta do Desenvolvimento Social, apenas o Viva Leite (88%) e os custos para a operação do programa (91%) tiveram o maior empenho do governo.
O Palácio dos Bandeirantes também segurou os gastos com programas para melhoria da condição de pessoas em situação de vulnerabilidade social, que abarca programas como o Criança Feliz, ligado à primeira infância, e o atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica. Dos R$ 200,4 milhões previstos da Lei Orçamentária Anual (LOA), apenas R$ 52,2 milhões foram empenhados, o que corresponde a 26% da dotação inicial.
Para o cientista social e professor da Universidade de São Paulo (USP) Sérgio Kodato, a decisão do governo em segurar os custos com o setor impacta a vida da população e empobrece o estado. Kodato ainda classificou o orçamento usado para a assistência social como ‘catastrófico’.
“Isso tende a agravar todo o quadro de miséria, de falta de sustentabilidade, de saúde, principalmente das crianças e adolescentes. [Podemos esperar] um aumento da violência, o que vai acarretar a mais pobreza, mais miséria, mais desassistência, mais doença, menos recursos para atender as populações desassistidas, e, consequentemente, estimula a violência em todos os níveis da vida social, não só na periferia, mas a periferia vai acabar chegando no centro”, afirma.
“O impacto disso é uma catástrofe, é uma tragédia. É um pessoal que está em situação de risco, de vulnerabilidade, condições precárias e moradias sem saneamento básico, e crianças precocemente adoecidas, sem poder ir à escola. Então, eu entendo que nós estamos diante de uma tragédia, diante de uma catástrofe social”, completa.
Drogas e moradores de rua
O governo de São Paulo ainda contingenciou verbas para a promoção, saída e autonomia da população em situação de rua no estado. Segundo a Secretaria da Fazenda, o Bandeirantes investiu apenas R$ 6,6 milhões dos R$ 15,7 milhões previstos para este ano, o que corresponde a 42% da dotação inicial.
A redução acontece em meio ao aumento da população em situação de rua no estado, segundo dados do Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados (Caged). Em 2022, o Caged registrou 95,1 mil pessoas em situação de rua no estado, sendo 53,8 mil só na cidade de São Paulo.
A Secretaria de Desenvolvimento Social também segurou verbas para o Programa Recomeço, que visa dar assistência e acolhimentos aos ex-usuários de drogas. Para a reintegração dos usuários, o governo paulista investiu apenas 23% (R$ 1,9 milhão) dos R$ 8,4 milhões previstos pela LOA.
Sérgio Kodato vê a omissão do poder público como forma de colaborar para o aumento de usuários na Cracolândia, um dos maiores problemas sociais da capital paulista. Para o especialista, a tendência é que o cenário piore com o passar dos anos.
“Quanto maior a miséria, quanto maior emprego, quanto maior a desassistência, a tendência é ver o maior consumo de álcool e drogas, não só junto à população pobre, mas também junto à classe média. Se você somar isso com todos os quadros de ansiedade e depressão social, que estão tomando drogas tarja preta — que são legais, mas que também são drogas —, você vai ter consequências de uma certa imobilização, inatividade”.
“Eu entendo que a tendência também uma maior invasão desses usuários, desses drogados, ocupando todas as Praças. Basta ver a Cracolândia em São Paulo, que apesar de todos os esforços, a falta de políticas de Assistência Social de Saúde faz com que a gente não consiga acabar com essa vergonha que está no centro da capital paulista. Acredito que isso vai afetar diretamente a produtividade da nossa sociedade”, ressaltou.
O advogado especialista em direito eleitoral Luiz Eugênio Scarpino Júnior não vê impacto jurídico sobre o congelamento das verbas da assistência social neste momento, mas ressalta a importância de se dar transparência aos motivos do contingenciamento dos repasses. Ele acredita que a decisão de segurar os valores da pasta está ligado mais ao campo político.
“Inúmeros fatores podem levar com que o gestor não aplique adequadamente aquilo que foi estipulado, seja porque não teve receitas, seja porque teve outras prioridades. Não existe uma sanção específica com relação a não execução integral do orçamento. A lei estipula, em alguns momentos, para saúde e para educação um percentual mínimo de investimento, mas não há nada previsto para a assistência social, para o desenvolvimento social. Então, sai um pouco do plano jurídico e entra mais para o plano político, sobre uma incapacidade, ou demonstra talvez pouca preocupação, ou um foco menor, ou mesmo dificuldades operacionais de execução, ou mudança de linha de atuação quando você tem um orçamento e ele não é cumprido dentro de um planejamento que é estabelecido”, afirma.
“Nesse primeiro momento é um ponto de atenção, mas se eventual orçamento estiver sendo priorizado para outras áreas, isso pode ser avaliado [caso seja constatada alguma irregularidade] para algum tipo de consequência jurídica direta”.
Baixa prioridade
O deputado estadual Paulo Fiorilo (PT) criticou a ação do governador e disse que ‘faltou sensibilidade’ a Tarcísio para os programas sociais.
“É um prejuízo para as pessoas mais vulneráveis e mais carentes. É um equívoco, porque o governo tem recurso e poderia continuar dispondo esse recurso para pagar o Bolsa do Povo, o que ajudaria as pessoas numa situação difícil. Nem todo mundo está empregado, nem todo mundo voltou a ter os recursos”, afirma
“São exemplos claros de um governo que não tenha sensibilidade para aqueles que mais precisam. Recursos que poderiam ser utilizados para as pessoas de alta vulnerabilidade, ou mesmo a população em situação de rua, o governo não investe. Já era pouco investiu menos do que deveria”,
O petista acredita que a cobrança poderá aumentar sobre o governo nos próximos com a chegada da LOA 2024. O texto deve ser entregue à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) até sábado (30).
“O que a gente tem feito é o debate aqui interno, e agora há possibilidade de fazer o debate no orçamento do próximo ano. A ideia é a gente expor as contradições e propor aumentos em obrigação importantes como essas, que eles estão retirando. Agora, óbvio, a peça orçamentária é uma peça que tem uma flexibilidade muito grande por conta dos índices de remanejamento. Apesar da gente brigar aqui, o governo depois pode acabar com o orçamento que a Assembleia aprova”, afirma Fiorilo.
O iG entrou em contato com o governo de São Paulo para questionar os investimentos realizados em programas sociais e para onde os recursos foram alocados, mas não houve respostas até a publicação desta reportagem.
Fonte: Nacional