Os atuais modos de prestação de serviços ou de entrega de trabalho, dada a peculiaridade de cada situação, criaram uma dificuldade de enquadramento jurídico, no modelo paradigmático e binário, que foi a base da construção do Direito do Trabalho que, na época, atendia às necessidades prementes da ocasião
*Por Paulo Sergio João
O mundo das relações de trabalho se caracteriza pela constante mudança e adequação de acordo com o momento do desenvolvimento tecnológico. O Direito do Trabalho guarda uma dinâmica histórica de nunca estar pronto e concluído para acolher as mudanças sociais.
Notável, nos últimos tempos, a velocidade das transformações impulsionada pelos novos meios de comunicação. Os atuais modos de prestação de serviços ou de entrega de trabalho, dada a peculiaridade de cada situação, criaram uma dificuldade de enquadramento jurídico, no modelo paradigmático e binário, que foi a base da construção do Direito do Trabalho que, na época, atendia às necessidades prementes da ocasião.
O trabalho prestado por meio de aplicativo rompeu o paradigma da relação empregado x empregador e, na atualidade, o que se busca é uma forma de enquadramento a fim de que se possa dar suporte jurídico aos contratantes e proteção social aos contratados. Neste caso, o desafio do intérprete é afastar-se dos padrões tradicionais e exclusivos de proteção pelo modelo celetista.
Houve um tempo em que a terceirização era o grande vilão da precarização da proteção social, pois, seguindo a estrutura sindical de organização por categoria, excluía trabalhadores dos benefícios reconhecidos àqueles que se chamavam de “categoria preponderante”.
Ainda hoje convivemos com a terceirização. A fim de buscar a sua descaracterização, a doutrina criou a subordinação estrutural como justificativa para vincular os trabalhadores na responsabilidade exclusiva do tomador dos serviços. Neste caso, as Leis nº 13.442 e 13.467 de 2017 legalizaram a terceirização e permitiram a prática de contratação de pessoa jurídica em atividade fim. Esvaziaram-se juridicamente as críticas de ilegalidade ou ilicitude.
No caso dos aplicativos, nota-se que, diante do arcabouço legislativo e histórico de proteção da legislação trabalhista, para alguns, a solução seria de extensão do modelo da CLT para amparar, juridicamente, a relação de trabalho e, deste modo, estariam, por suposição, solucionados todos os questionamentos.
De novo, a doutrina buscou a saída, introduzindo a chamada “subordinação algorítmica”, que, de forma abstrata, estaria impondo condições de fiscalização no controle das atividades daqueles que se utilizam do aplicativo para a prestação de serviços.
Deste modo, as decisões trabalhistas de primeira instância, muitas vezes levadas pelo imediatismo, têm se revelado favorável ao atendimento de ações em que se pretende o reconhecimento de vínculo de emprego ou, quando se trata de ação civil pública, a determinar que as empresas de aplicativos façam as anotações de vínculo em seus prestadores de serviços que, talvez, nem Carteira de Trabalho possuem.
Talvez o momento seja de buscar o sentido efetivo do termo subordinação. O engajamento de prestadores de serviços em modelos alternativos à condição de empregado leva em consideração a responsabilidade contratual com liberdade na disponibilidade de tempo e na forma de execução do trabalho.
A liberdade e autonomia na utilização do próprio tempo, considerado como inviolável e do qual somente a própria pessoa pode dele dispor, talvez seja esse o grande diferencial que se pode utilizar para definir o que seja a subordinação no sentido estrito para o vínculo de emprego.
Na atualidade, corre-se o risco de forçar a identificação da subordinação com elementos fáticos diversos e, assim, chegar a uma caricatura, totalmente distorcida e não condizente com o momento em que se analisam os fatos.
Enfim, o trabalho por meio de aplicativo pode ser parecido com o de vínculo de emprego, mas não é o mesmo. É novo e não se compara com o antigo.
*Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo