“Você teria um samba sem letra?”. Essa pergunta mudou a vida do jovem carioca Eduardo de Góes Lobo, aos 19 anos. O autor do pedido era ninguém menos que Vinicius de Moraes, em uma reunião de amigos em comum. Foi quando Edu Lobo conheceu o gênio da bossa nova e viu a trajetória de vida mudar. O aniversariante desta semana, que completou 80 anos na terça-feira (29), relembrou essa história em uma entrevista para a TV Brasil.
“Foi um golpe de sorte. Mas, como eu sempre digo, você precisa estar preparado para a sorte”, conta o hoje octogenário, que tinha uma música pronta no dia. “Mostrei, ele gostou e perguntou se me incomodaria se ele fizesse uma letra naquela hora. ‘Fique à vontade’, eu disse”.
À época, Edu se considerava um “Zé Ninguém”. “Eu não estava nem pensando que iria começar uma carreira. Naquele momento, fazer música era para mim alguma coisa que eu adorava, mas era tipo pegar onda no mar, quer dizer, tem uma hora que você não faz mais e aquilo acaba.” Mas ter se aproximado do Poetinha, como Vinicius ficou conhecido, mudou tudo.
“Conhecer o Vinicius naquela época significaria conhecer todo mundo que se chamava da bossa nova. Eu conheci o Tom Jobim, Carlinhos Lyra, Baden Powell, Oscar Castro Neves, muitas pessoas que tiveram importância muito grande na minha vida”, rememora.
Dono de uma trajetória de sucesso na música popular brasileira (MPB), que, inclusive, rendeu a ele, em 1994, um Prêmio Shell de melhor compositor de música brasileira, pelo conjunto da obra, Edu Lobo diz que, em vez de lembrar o passado, prefere olhar para o presente e o futuro.
Novo álbum
Presente, aliás, preenchido por um projeto novo. Edu, que tem cerca de 30 álbuns lançados, prepara o lançamento de mais um, duplo, para a gravadora Biscoito Fino, que será gravado num show ao vivo, em novembro, em apresentações na Sala Cecília Meirelles, no Rio de Janeiro (8/11), e no Teatro B32, em São Paulo (10/11), com os cantores Zé Renato, Mônica Salmaso, Ayrton Montarroyos e Vanessa Moreno.
“O som do disco vai ser o som do show. Eu não gosto de chamar de show, prefiro chamar de apresentação. Eu estou adorando esse projeto, está em fase de mixagem. Ainda falta um pouco, mas estamos terminando.”
Festivais
Mesmo com o presente o ocupando para preparar o futuro, Edu Lobo não pode deixar de falar de grandes momentos do passado. “Alguém vai me perguntar sobre os festivais”, brinca, se referindo à interseção entre música e televisão que marcou definitivamente a carreira do cantor e compositor.
Em 1965, em parceria com Vinicius, disputou e venceu o 1º Festival Nacional de Música Popular Brasileira, na TV Excelsior, com Arrastão, interpretada por Elis Regina.
“Elis Regina que fez a música chegar em primeiro lugar. Teve uma importância para mim porque ninguém me conhecia e passou a conhecer a partir dali, porque daí vêm as entrevistas, você começa a aparecer em jornal…”, conta.
Dois anos depois, a dose se repetia no festival da TV Record. Dessa vez com Ponteio, em parceria com José Carlos Capinan. Edu Lobo, a cantora Marília Medalha e os grupos vocais Momentoquatro e Quarteto Novo interpretam a canção.
“Ponteio foi muito forte para mim, tão forte que recebi um convite para ir para a França para fazer um espetáculo só e acabei ficando dois meses. Todo mundo queria ouvir Ponteio.”
“Deu tudo certo”
Os 60 anos de carreira do octogenário renderam uma coleção de álbuns, apresentações, turnês nacionais e internacionais, prêmios, composições para filmes e peças. Edu experimentou parcerias com nomes como Vinicius, Gianfrancesco Guarnieri, Ruy Guerra, Vianna Filho, Torquato Neto, José Carlos Capinan, Paulo César Pinheiro, Cacaso, Joyce, Ronaldo Bastos, Abel Silva, Aldir Blanc e Chico Buarque.
“Deu tudo certo, por enquanto. Olhando de longe, eu fico contente pela trajetória que eu tracei.”
Encomendas
Nessa trajetória celebrada, tem um elemento que, para Edu, foi o motivador para que as produções tomassem vida e virassem sucessos. “Encomenda”. “Eu falo sempre que adoro encomendas. As encomendas me criam vontade de fazer música. Você assina um contrato, com uma data”, conta.
“Se alguém oferece o melhor projeto do mundo, você inventa uma remuneração absurdamente alta e você pergunta para o produtor quando é que tem que entregar, e ele fala ‘quando quiser’, sabe quando você vai fazer isso?”, pergunta. “Nunca. Eu adoro ter personagens para os quais vou ter que compor. Isso me motiva, isso me tira da cadeira para sentar no piano e começar a procurar”, completa.
Edu Lobo admite que tem que procurar pela música. Ela não surge espontaneamente na cabeça dele. “Não duvido dessa capacidade de pessoas que estão no meio do jantar, ouvem uma melodia, um pedaço de letra e têm que sair correndo. Sinto muito, mas comigo nunca aconteceu. Eu sou um cara que tem que procurar a música.”
Nos documentos, Edu Lobo rompeu a barreira dos 80 anos, mas, segundo o grande nome da música brasileira, não é bem assim que se sente. “Como é me sentir com 80 anos? Eu gostaria de ter a resposta para isso, mas eu não tenho a menor ideia. Eu me sinto ainda com 50”, brinca.
Fonte: EBC GERAL