Há pouco mais de um mês, os Brics convidaram seis países para fazerem parte do bloco , atualmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A Argentina foi uma das convidadas, mas a resposta ainda é uma incógnita, já que o país terá eleições presidenciais no final de outubro.
Dentre os candidatos à presidência da Argentina, os dois favoritos já deram declarações se opondo à entrada do país nos Brics. Líder das pesquisas, o ultraliberal Javier Milei disse que não se aliará “com comunistas”, citando a China. Já a candidata de direita Patricia Bullrich rejeitou a união ao que ela chama de “autoritarismos populistas”, citando Rússia e Irã, um dos países convidados. Sergio Massa, atual ministro da Economia da Argentina e candidato da esquerda, é o único a discursar a favor da entrada do país no bloco.
O ponto de interrogação que paira sobre a possível entrada da Argentina nos Brics deixa dúvidas tanto sobre o futuro do país quanto do bloco, que tem o Brasil como uma de suas principais nações. “Está havendo uma politização do assunto. A Argentina poderia ter vários benefícios diante da conjuntura econômica do país, garantindo um protagonismo maior internacionalmente e captando investimentos através do Banco dos Brics”, analisa Renata Thiebaut, doutora em Direito e consultora que já atuou desenvolvendo acordos econômicos e diplomáticos entre os Brics.
Atualmente em forte crise econômica , a Argentina poderia, com os Brics, acessar investimentos do Novo Banco de Desenvolvimento, conhecido como Banco dos Brics, presidido por Dilma Rousseff . Além disso, o país poderia abrir seu mercado internacional, o que também ajudaria a economia.
Vitória brasileira
Apesar da dúvida sobre a entrada do país no bloco, o governo brasileiro comemorou o convite ao vizinho. Logo que os Brics formalizaram os convites de adesão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) exaltou a “importância geopolítica” da Argentina para o grupo.
“A mim não importa, do ponto de vista dos Brics, quem ganha as eleições na Argentina. Todo mundo sabe que eu sou amigo do Alberto Fernández [atual presidente argentino]. Mas, quando tiver uma eleição, o Brasil, enquanto Estado, vai negociar com o Estado argentino independentemente de quem seja o presidente, a não ser que o presidente não queira negociar com o Brasil”, disse Lula na ocasião.
Priscila Cottarelli, Grupo de Estudos sobre os Brics da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o convite ao país sul-americano representa um “ganho diplomático” para o Brasil, que teve forte papel de negociação para que a Argentina pudesse ter acesso aos Brics.
“O acesso da Argentina aos Brics é realmente um ganho político brasileiro, porque ela é nosso principal parceiro comercial aqui na América do Sul. Do ponto de vista da diplomacia brasileira, a entrada do país no bloco também seria muito benéfica para o Mercosul”, explica a pesquisadora.
Além da vitória diplomática, que independe da aceitação da Argentina ao convite, a entrada do país nos Brics poderia ser benéfica para o Brasil por motivos econômicos e políticos.
Do lado da economia, as especialistas apontam um maior fluxo de investimentos na Argentina, o que poderia impactar positivamente os fluxos regionais de todo o Mercosul, trazendo vantagens para diversos países do bloco – inclusive o Brasil. Do lado político, as relações de séculos entre os dois países seria fortalecida.
“Como o presidente Lula já comentou, nós temos interesse, por questões políticas, sociais, culturais e dos nossos laços de amizades muito intensos com a Argentina, em auxiliar a Argentina na saída essa crise”, aponta Priscila.
Multilateralismo
Além do impacto direto no Brasil, a entrada da Argentina nos Brics poderia beneficiar o bloco todo, o que também impacta nos países que fazem parte dele.
De modo geral, a expansão dos Brics visa fortalecer a cooperação entre nações do Sul global, fazendo com que elas tenham mais força frente aos debates mundiais. Com a entrada de mais países nos Brics, o grupo passa a ter maior impacto econômico e populacional globalmente, com Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassando o do G7.
“Os Brics já estão, com esses novas economias, mais importantes para a economia mundial do que os sete países mais desenvolvidos. Para os Brics, isso é importante porque dá mais peso nos organismos internacionais. A gente vai ter mais peso para influenciar a agenda global, colocar os nossos anseios nas instâncias internacionais e mostrar para os países desenvolvidos que nós nos bastamos”, avalia Priscila. “A cooperação Sul-Sul, com essa expansão dos Brics, mostra o seu poder”, completa.
Além da pura expansão, os Brics também buscaram diversificar os convites, apostando em países com importâncias geopolíticas e econômicas diferentes.
Além da Argentina, que é a segunda maior economia da América do Sul e pode ajudar o bloco a ter mais força, sobretudo, frente aos Estados Unidos , também foram convidados Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã.
Renata avalia que, desses, a Arábia Saudita é o nome mais forte, já que está se tornando um dos países mais industrializados e digitalizados do Oriente Médio. Junto com o Irã e com os Emirados Árabes Unidos, o país também é um forte exportador de gás e petróleo. Priscila aponta que o Egito tem uma forte influência no norte da África, enquanto a Etiópia representa forte desenvolvimento no continente.
“Todos os países foram convidados por uma razão específica, todos eles têm algo para oferecer ao bloco que é único e essencial para o crescimento dos Brics e para a concretização dessa nova ordem mundial”, avalia Priscila.
Apesar da importância de cada um desses países para o crescimento dos Brics, Renata avalia que a entrada da Argentina é muito mais vantajosa para o país em si do que para o bloco.
“A Argentina não é um dos países mais importantes nas relações internacionais, então eu acho que não tem tanto peso para os Brics ter Argentina quanto é para a Argentina estar no Brics”, opina.
Fonte: Internacional