O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou o fechamento de todos os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico até o dia 28 de agosto de 2024 no Brasil. Essa decisão tem gerado grande preocupação entre a comunidade médica, principalmente a psiquiatria. A medida pode resultar em graves prejuízos para a saúde pública, além de representar riscos tanto para pacientes quanto para a sociedade em geral.
No Brasil, o sistema público de saúde não oferece suporte adequado para todas as pessoas com doenças mentais. As instituições psiquiátricas, embora criticadas por suas limitações e problemas históricos, desempenham um papel crucial para uma parte significativa da população que não tem acesso a outras formas de tratamento. A ideia de simplesmente fechar essas instituições e transferir os pacientes para a rede de saúde geral é problemática, especialmente quando essa rede é falha e insuficiente.
Esta medida pode condenar muitos pacientes a uma situação de vulnerabilidade extrema. Sem os cuidados adequados, esses indivíduos podem ser deixados à própria sorte, enfrentando não apenas o agravamento de suas condições, mas também a marginalização e a exclusão social. A falta de estruturas de acolhimento e tratamento especializado pode levar a comportamentos de risco que afetam a própria segurança e a dos outros.
Além disso, a psicofobia, ou a negação e estigmatização das doenças mentais, ainda é um problema enraizado profundamente na sociedade brasileira. Há uma tendência de ignorar as necessidades reais dos pacientes psiquiátricos, tratá-los com preconceito e até mesmo culpar os próprios indivíduos por sua condição. Isso reflete um descaso generalizado e uma falta de interesse em desenvolver políticas públicas eficazes para a saúde mental.
A legislação brasileira destaca que a saúde é um direito. Isso significa que todos têm o direito constitucional ao tratamento adequado para suas condições de saúde, incluindo a saúde mental. Mas na realidade, a situação está muito longe de ser adequada para atender a todas as demandas de saúde, principalmente o tratamento psiquiátrico.
O atendimento a pacientes psiquiátricos não pode ser negado com uma ordem judicial. O judiciário não pode impedir que as pessoas tenham direito a atendimento e tratamento adequado para doenças mentais. A decisão de fechar essas instituições não deve ser vista como uma simples questão judicial, mas deve-se levar em consideração a expertise de especialistas sobre os aspectos sociais, de saúde pública e de segurança que envolvem essa medida.
É fundamental que haja uma compreensão mais profunda das necessidades dos pacientes com transtornos mentais e a criação de políticas públicas que assegurem tratamentos adequados e especializados. Indivíduos com transtornos mentais graves precisam de ambientes de tratamento específicos que compreendam suas necessidades complexas e ofereçam acompanhamento contínuo. O sistema de saúde pública atual, sobrecarregado e frequentemente mal preparado, não está em posição de oferecer o suporte necessário.
Para pacientes que se encontram em conflito com a lei, essa situação é ainda mais delicada. Aqueles que têm um diagnóstico de transtorno mental grave e cometeram crimes devido às suas condições psicológicas não devem ser tratados da mesma forma que a população geral, por conta dos riscos específicos que enfrentam e representam. É necessário que existam instituições especializadas que integrem cuidados psiquiátricos com a segurança e a justiça, oferecendo um tratamento que respeite a complexidade das suas condições e ajude na sua recuperação e reintegração.
O fechamento das instituições psiquiátricas sem uma estrutura adequada para substituir os cuidados oferecidos por essas instituições pode resultar em uma situação de abandono para muitas pessoas com doenças mentais. A mudança proposta não pode ser uma medida simplista de “retirada” desses pacientes, mas deve ser acompanhada de um plano que garanta que todos os indivíduos recebam o tratamento e o suporte necessários.
É urgente promover um debate mais amplo com profissionais que tratam diariamente estes pacientes e são especialistas em doenças mentais sobre como garantir tratamento adequado para pessoas com doenças mentais graves, respeitando seus direitos e oferecendo-lhes as condições necessárias para uma vida digna.
No Brasil, a discussão sobre saúde mental muitas vezes é negligenciada e os recursos disponíveis são mal administrados ou insuficientes para atender adequadamente a demanda existente. É essencial que haja um compromisso sério com a implementação de políticas públicas que garantam tratamento digno e humano para todos os indivíduos que necessitam de cuidados psiquiátricos.
Antônio Geraldo da Silva é médico formado pela Faculdade de Medicina na Universidade
Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. É psiquiatra pelo convênio HSVP/SES –
HUB/UnB. É doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Portugal e
possui Pós-Doutorado em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da UFMG.
Entre 2018 e 2020, foi Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina – APAL.
Atualmente é Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Diretor Clínico do IPAGE –
Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo e Presidente do IGV – Instituto Gestão e Vida.
Associate Editor for Public Affairs do Brazilian Journal of Psychiatry – BJP. Editor sênior da
revista Debates em Psiquiatria. Review Editor da Frontiers. Acadêmico da Academia de
Medicina de Brasília. Acadêmico Correspondente da Academia de Medicina de Minas
Gerais.
Coordenador Nacional da Campanha “Setembro Amarelo®”, da Campanha ABP/CFM
Contra o Bullying e o Cyberbullying e da Campanha de Combate à Psicofobia.
É autor de dezenas de livros e artigos científicos em revistas internacionais e também
palestrante nacional e internacional.
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Fonte: Nacional