Brasileira concorre a prêmio no Festival de Documentário de Amsterdã

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Ao final de um labirinto sensorial, há duas salas. Na primeira delas, toda branca, encontra-se o quadro A Redenção de Cam, uma pintura feita pelo espanhol Modesto Brocos em 1895, quando ele já estava radicado no Brasil. Nesta sala também é apresentado um vídeo com imagens de arquivo mostrando que o país já abrigou um projeto de eugenia (teoria de que seria possível criar seres humanos melhorados a partir do controle genético). Já na segunda sala, que simula uma mata fechada, toda escura, um filme é projetado entre os reflexos de um pequeno lago questionando o projeto racista de branqueamento da população que esteve em curso no país.

Essa instalação imersiva, poética e crítica sobre a história brasileira, criada pela roteirista e documentarista Mariana Luiza, chama-se Redenção e é o único projeto brasileiro selecionado para a categoria competitiva de documentários imersivos do Festival Internacional de Documentário de Amsterdã (IDFA), que é considerado o maior festival de documentários do mundo. Essa experiência imersiva ficará disponível na galeria de arte LNDWStudio. Neste ano, o festival está marcado para o período de 10 a 19 de novembro.

Em entrevista à Agência Brasil, Mariana Luiza conta que tem estudado o projeto de branqueamento do país e que isso surgiu por um questionamento familiar. “Eu sempre trabalhei com identidade e pertencimento porque eu sempre fiquei num limbo de não saber, não entender direito o que eu era, qual era a minha identidade racial. Sou uma pessoa miscigenada: eu tenho irmão branco, um pai branco e uma mãe mestiça que nem eu. Isso foi me levando a questionar por que eu não conseguia entender quem eu era.”

Esse questionamento se fez mais forte quando a documentarista observou duas fotos de sua avó Divina: uma delas, uma foto de época, original, em que se nota o cabelo crespo e a pele negra (à direita na imagem ao lado). A outra, um retrato de sua avó que depois ela coloriu com aquarela e se pintou com a pele branca e o cabelo ondulado (à esquerda). “Minha avó se achava branca e queria que a gente fosse branco”, lembra. “O que me chamou muita atenção é que eu vivi com essa foto da minha avó a vida inteira e eu nunca tinha percebido que ela tinha se pintado de branco. Isso para mim foi o mais chocante”, relata.

Foi desse processo pessoal, quando teve a percepção de que sua avó era negra, mas não se via como tal, que ela começou a pesquisar sobre qual era o papel do Estado brasileiro na criação da identidade nacional. “Existia, de fato, um projeto para branquear o Brasil e isso aconteceu desde a Independência. Vinha-se atraindo colonos alemães ou europeus para branquear o Brasil desde a Independência. Mas a partir do final do século 19 e início do século 20 é que isso teve uma explosão maior no Brasil. Nessa época também estavam surgindo as pseudociências de eugenia, que foi culminar no nazismo na Alemanha, por exemplo. No Brasil, isso apareceu de uma forma diferente porque o país já era muito miscigenado. Não funcionaria para a nação simplesmente apartar brancos e negros, porque não dava: a maioria da população já era mestiça. Então, a ‘solução’ encontrada pelos eugenistas para resolver esse problema seria branquear gradativamente [a população].”

Redenção

Esse projeto de branqueamento gradativo ou de extermínio da raça negra é o que se vê na pintura A Redenção de Cam, de Modesto Brocos. A tela mostra uma avó negra, uma mãe mestiça e um pai branco olhando para seu bebê, de pele clara.

Essa pintura, que faz parte do acervo do Museu de Belas Artes (MNBA), no Rio de Janeiro, foi apresentada em 1911 no Congresso Universal das Raças, em Londres, como um símbolo da ideologia de branqueamento racial no Brasil. Nesse congresso, o médico João Batista de Lacerda (1846-1915) defendeu seu projeto de extermínio dos negros. “O negro passando a branco, na terceira geração, por efeito do cruzamento de raças”, disse ele, na ocasião.

Para mostrar ao mundo que o Brasil já teve um projeto de extermínio de parte de sua população, a brasileira vai apresentar um labirinto sensorial em Amsterdã para rediscutir e aprofundar reflexões sobre a pintura eugenista de Brocos.

“Nessa primeira sala [do labirinto], que é toda branca, você vai ver o quadro que a gente filmou fazendo um passeio nos detalhes”, descreve a documentarista. “Depois tem um vídeo de material de arquivo que explica o que foi esse projeto de nação. Então, a gente vai contando com documentos e com imagens como foi que o Brasil foi construindo esse ideal de um país, de uma Europa dos trópicos”, completa.

Ela também pretende mostrar que esse projeto foi vencido por uma resistência que sempre ficou escondida na história oficial, mas se fez presente pela força do movimento negro.

“Quando você termina o labirinto, haverá uma sala toda escura, com um lago e cheiro de mata. O que eu queria fazer era a mata como um ideal civilizatório, um projeto de civilização contra esse ‘progresso’ que não deu certo porque não é um progresso, não é um desenvolvimento. O filme se espelha na água para forçar as pessoas a olharem para o espelho d’água e, em vez de verem sua própria imagem, elas verão imagens de pessoas negras que estão resistindo a esse projeto”, conta.

Em seu vídeo projetado na água, uma réplica de A Redenção de Cam será queimada. “Queimar um quadro é também criar um novo símbolo”, destaca. “Queríamos pensar o fogo como esse elemento primordial da criação, mas também como um elemento de destruição para o renascimento. Então, o que a gente está querendo ali, simbolicamente, é destruir esse projeto de nação para que a gente tenha um projeto de pertencimento para todo mundo.”

Nesse labirinto de sombras e luzes, água e fogo, cheiros e imagens, Mariana Luiza quer instigar discussões. Entre elas, se caberia redenção a um país que já desejou exterminar seu povo. “Acho que não dá para redimir [o país], acho que é possível negociar. Não vamos conseguir destruir essa nação, mas negociar um projeto de nação que seja pertencente para todas as pessoas”, observa.

Fonte: EBC GERAL

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