Tudo começou com um meme, como é de costume nos salões cromados da internet. “It’s a brat summer!”, anunciou a artista Charli xcx (“quem?” calma, vou explicar). Brat: algo como “pirralha”, “fedelha”, menina desobediente, “aborrescente”(se saísse da boca de Anitta, soaria parecido com “É o verão das malcriadas!”, ou qualquer coisa do tipo). Imatura — verde, por assim dizer. Mas um verde neon.
O que era para ser só um álbum — o sexto na carreira da cantora pop que nunca foi tão pop assim —, se tornou algo maior, algo acidentalmente gigante. Brotou nas reuniões de pauta do NY Times e Washington Post, floresceu em todos as telas de todo lugar. Sua metamorfose foi tão incontrolável que até esse respectivo artigo (originalmente uma leitura leve nas linhas de “esqueça o linho branco e as bolsas de palha! a onda para o verão é ser brat”), teve que mudar ser reinventado para acompanhar a velocidade do fenômeno. Mas daí até chegar no Salão Oval? É muito chão. Pois é, prepare-se: a caminhada é das longas.
O dia era 7 de junho, início de verão no Hemisfério Norte. Nos Estados Unidos, calor de fritar ovo no asfalto. Charlotte Emma Aitchison nasceu em Cambridge, na Inglaterra, mas aos 31 anos já tinha visto bastante do mundo. Uma artista grande, mas não gigante, com hits bilhardários, mas que não enchia estádios. Uma estrela que há mais de 10 anos parecia estar “quase chegando lá” — sempre em ascensão, nunca acesa. Com o timing certo, a internet pode te catapultar em dois meses o que uma década não foi capaz de fazer…
Eis que seu novo projeto chega às rádios. Exigindo o fim das ‘clean girls’ e reivindicado um verão mais ‘emporcalhado’ (fenômeno do qual já falamos aqui , em janeiro deste ano), foi bem-recebido logo de cara. Com letras cruas e sentimentos sinceros de uma típica millennial que “não sabe se casa ou se compra uma bicicleta”, o conjunto autoral embarca numa jornada de sangrenta auto análise, sem papas na língua para tratar de temas como drogas, inveja, trauma geracional, relógio biológico, por aí vai. Com batidas agitadas e uma produção sonora hyperpop , dá para dançar e chorar ao mesmo tempo. Ora se esse não é o mundo no qual a gente vive!
Para uma cantora pop fazer barulho, é preciso inspirar dinheiro: grandes sucessos garantem grandes verbas de marketing, que garantem turbinadas no algoritmo, videoclipes com participações estreladas, cheques gordos para bancar ‘dancinhas’ de influencers, uma molhada na mão do Spotify, e por aí vai. Quanto mais fraco o histórico, menos ‘din din’ as gravadoras estão dispostas a gastar. “Para se fazer dinheiro, é preciso gastar dinheiro”, e aquela história toda.
Se a sorte de Charli caiu da árvore como uma maçã, ou se é fruto da cobiçada folhinha verde, não se sabe ao certo. Mas os números movimentados estão na casa dos milhões, e o impacto na cultura popular, incalculável.
Mas o que isso tudo tem a ver com a Vice-Presidente Kamala Harris? Seria cômico, se não fosse a tão distópica síntese de como o mundo tem girado atualmente. Explicar essa história é um absurdo contemporâneo, como tentar esclarecer aos Baby Boomers o que é um NFT, ou o a diferença entre um photodump e um story no Instagram. Em síntese, se deu o seguinte: uma das mais populares letras da música “Apple”, single do álbum de Charli, compartilha de uma ideia quase-similar à de um vitalizado discurso dado por Harris em maio de 2023. Quando calhou de Biden largar a corrida pela presidência, a internet fez o que faz de melhor: fantasiou uma crise global de meme dançante.
Depois da bala que quase matou Donald Trump ter rendido a foto do ano, as eleições 2024 mais parecem uma competição para Rei e Rainha do Baile. Quem é mais cool? Quem tem mais likes? Quem viraliza primeiro? Política sempre foi uma questão de carisma, mas o que a nova geração de eleitores falha em observar é a manada de cavalos de Tróia que se aproxima no horizonte.
Brat, entre tantas coisas, é a bandeira chartreuse de uma geração que leva a chacota muito a sério, que idealiza uma honestidade calculada, que, quase que em tom de birra, diz “Vocês que apodreceram meu futuro, vejam o que faço com o seu presente!”. Confunde estética com conteúdo, afinal, um TikTok vale mais que mil palavras. Mas de que adianta nadar contra as águas de uma maré que vai vencer? No fim da luta, a vitória é daquele que melhor se adapta. Descanse em paz, Darwin! Você teria amado “Apple”.
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Fonte: Nacional