Há 1.826 dias um ataque a tiros tirou a vida da vereadora do Rio Marielle Franco e do Motorista Anderson Gomes . E, cinco anos depois, o crime que chocou os brasileiros ainda deixa mais perguntas do que respostas para a sociedade.
As investigações relacionadas aos assassinatos do dia 14 de março de 2018 levaram, até o momento, às prisões preventivas do policial militar reformado Ronnie Lessa e do ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz.
Eles respondem por duplo homicídio triplamente qualificado por motivo torpe, emboscada e sem dar chance de defesa às vítimas. Em 2020 ficou determinado que os dois detidos sejam julgados por júri popular, a audiência não foi marcada até agora.
Mas, diante das mudanças no governo federal, tanto a sociedade civil como ministros e advogados esperam que as investigações a respeito deste crime ganhem agilidade e também maior qualificação.
“Nós precisamos realmente de uma solução, até mesmo pelo simbolismo que esse crime tem no cenário nacional”, enfatiza Orestes de Souza, advogado e coordenador da Associação Nacional de Advocacia Negra em Minas Gerais (ANAN-MG).
“Eu acredito em um novo andamento às investigações porque houve uma mudança de visão, tanto que já no dia 2 de janeiro o ministro da Justiça, Flavio Dino, disse que o caso certamente teria uma resolução”, complementa.
Abertura de inquérito da PF
Em fevereiro deste ano, a Polícia Federal abriu um inquérito para auxiliar na investigação do caso , que até o momento era conduzido pela Polícia Civil do Rio de Janeiro e não tinha colaboração da esfera federal.
No despacho, a PF informou que vai “apurar todas as circunstâncias que envolveram a prática do crime” previamente identificado, além de outros que “porventura forem constatados no curso da investigação”.
Humberto Adami, advogado presidente da Comissão da Igualdade Racial do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros), ressalta que as novas articulações da PF no caso devem partir de uma reavaliação das linhas de investigação.
“Eu acho essencial essa abertura de inquérito, porque há uma ausência de investigação por parte da polícia do Rio de Janeiro. Há evidências de que as linhas de investigação que foram estabelecidas não foram seguidas pelos investigadores”, pontua.
Federalização do caso
Orestes, entretanto, lembra que a atuação da Polícia Federal não significa o deslocamento completo da competência das apurações para o âmbito federal.
Segundo ele aponta, com base no inciso V do Artigo 109 da Constituição Federal, a federalização do caso só ocorre diante de três requisitos: ser um crime de grave violação dos direitos humanos, ficar demonstrada a incapacidade da Polícia Civil estadual para elucidar ou haver uma responsabilização do Brasil no âmbito internacional.
Flavio Dino já expressou a intenção de federalizar o caso , e tanto Orestes como Adami entendem que essa mudança faria com que as investigações ganhassem mais mecanismos que auxiliariam na resolução do crime. Marinete da Silva, mãe de Marielle e advogada, contudo, se posiciona contra a transferência para a esfera federal .
“Não interessa para família, para mim. O crime foi no Rio de Janeiro. Acho que a Polícia Federal tem que estar junto, como sempre esteve. Muito mais agora com o Dino. Mas a solução tem que partir do Rio de Janeiro. Foi lá que o crime aconteceu”, disse em entrevista à EBC.
Em maio de 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) de federalização da investigação. Na ocasião, houve uma forte pressão da família de Marielle e de movimentos sociais contra a mudança de competência, visto que, na visão deles, o governo Bolsonaro não faria muitos esforços em prol da resolução do caso.
Principais empecilhos para as investigações
Humberto e o advogado membro da ANAN entendem que o principal empecilho para o andamento da investigação ao longo destes cinco anos foi a interferência, direta e indireta, do governo anterior na apuração do caso.
“Eu acredito que as principais dificuldades disseram respeito às interferências nas linhas de investigação. Até mesmo pelas trocas de delegado e promotores. Por que teve tanta troca? É uma clara evidência de interferência política na investigação”, ressalta Adami.
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Desde 2018, houve cinco trocas nos delegados do Rio de Janeiro responsáveis pelas investigações do crime em questão. O atual responsável, desde 2022, é Alexandre Herdy. Anteriormente, comandaram as apurações Giniton Lages (2018-2019), Daniel Rosa (2019-2020), Moisés Santana (2020-2021), e Edson Henrique Damasceno (2021-2022).
Orestes, por sua vez, afirma que, “se o Brasil levasse a sério as investigações no governo anterior”, Daniel Silveira deveria ser classificado como um dos suspeitos diante da atitude de quebrar a placa em homenagem à vereadora.
Próximos passos
Os juristas apresentam diferentes visões acerca do que entendem que devem ser os próximos passos rumo à solução dos assassinatos de Marielle e Anderson. O advogado de Minas Gerais acredita que, diante da maior participação da PF no caso, a corporação deve fazer uma análise minuciosa das imagens às quais a Polícia Civil carioca teve acesso.
“A Polícia Civil do Rio de Janeiro teve o acesso a cerca de 1.300 imagens para analisar, chegaram também mais de 1.500 arquivos em mensagens de texto e áudios. O primeiro passo é a Polícia Federal acompanhar a polícia civil na apuração destas imagens e analisar, de maneira muito criteriosa, cada uma destas mensagens”, diz.
Adami afirma que um dos principais direcionamentos que o caso deve ter a partir de agora é um “tratamento científico” de todas as provas, a fim de buscar “qualquer pelo em ovo” que possa ajudar a chegar à resolução.
“Com tantas investigações, é uma questão de necessidade o Estado brasileiro descobrir quem mandou matar Marielle, e porque mandaram matar Marielle. Isso é essencial, como o ar que se respira, para a legitimidade da democracia brasileira”, enfatiza o vice-presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil.
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Fonte: IG Nacional