A sexagenária Brasília tem exatos 300 habitantes com 100 anos ou mais, segundo o Censo Populacional de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com 103 anos, um desses centenários é Ermando Armelindo Piveta, militar reformado da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e pioneiro na capital federal.
Nascido em Laranjal Paulista (SP) em 1920 – mesmo ano de nascimento do poeta João Cabral de Melo Neto, da escritora Clarice Lispector, do craque Heleno de Freitas e do ator Anselmo Duarte –, Piveta viveu ao menos duas grandes aventuras brasileiras do século 20: a participação na Segunda Guerra Mundial contra as forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), e a construção da nova capital federal.
Em setembro de 1942, um mês depois de o Brasil entrar na guerra, Ermano Piveta foi chamado para prestar serviço militar no 4º Regimento de Artilharia Montada do Exército, baseado em Itu (SP). “Naquele tempo não tinha sorteamento. Era convocado”, lembra, em vídeo gravado por sua filha Vivian Piveta e enviado à Agência Brasil.
No ano seguinte, o expedicionário embarcou no navio de passageiro e carga Almirante Alexandrino, que navegou do Rio de Janeiro até Dakar (Senegal), para fazer treinamento no continente africano. Ele atuou na guarda do litoral brasileiro em Fernando de Noronha, Pontal do Cururipe (Alagoas), Natal e no Recife.
Já reformado como segundo-tenente do Exército, Piveta trabalhou em 1958 na construção de Brasília fazendo transporte de areia e cascalho. “Todo mundo falava: ‘Brasília, capital da esperança’. Botei aquilo na cabeça e vim.” Em 1968, ele voltou para morar definitivamente na cidade.
Em abril de 2020, o expedicionário e pioneiro candango, então com 99 anos, ganhou as primeiras páginas dos jornais após receber alta de uma internação de oito dias no Hospital das Forças Armadas (HFA) por causa da covid-19. A receita dele para a boa saúde e longevidade é simples:
“Não beber e não fumar. [Consumir] alimento bom e sadio. [Ter] boa amizade com todo mundo e ganhar a alegria de todos.”
Longevidade
Centenários como Ermano Piveta representam 0,018% da população brasileira, ou 37.814 pessoas (27.244 mulheres e 10.570 homens) que cruzaram a linha de um século de vida. Os números na casa do milhar parecem modestos diante do total de 203.080.756 habitantes, mas, comparando as somas do Censo de 2010 e a contagem do Censo de 2022, o número de “superidosos” cresceu 66,7% (15.138 pessoas a mais). O dado é indicador da longevidade ascendente da população.
De acordo com o demógrafo Marcio Minamiguchi, do IBGE, esses números podem parecer “curiosidades estatísticas”, uma vez que “a probabilidade de chegar nessas idades extremas é pequena”. Mas, na sua avaliação, o que é mais interessante é que “o fato de ter mais centenários está associado à possibilidade de ter um número maior de pessoas com seus 60, 70, 80 e 90 anos”.
Raciocínio semelhante faz o secretário nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Alexandre da Silva.
“A gente deve comemorar é que nós temos mais pessoas chegando aos 100 anos. Isso quer dizer, indiretamente, que tem mais pessoas chegando aos 95, aos 90, aos 85, aos 80. Ou seja, a longevidade cada vez mais é uma constatação mais presente no nosso cotidiano.”
Para a pesquisadora Daniella Jinkings, mestre pela London School of Economics and Political Science (LSE) com dissertação sobre o cuidado dos idosos pelas famílias, os dados revelados são positivos, mas “não estamos preparados para o envelhecimento. Nem a sociedade brasileira, nem o Estado”, pondera em entrevista à Agência Brasil.
“Ainda cultuamos muito a juventude. As pessoas se recusam a envelhecer, ou tratam o idosos de forma pejorativa, colocam o idoso de escanteio como se a partir dos 60 anos fosse uma pessoa completamente inútil. Temos que vencer essa questão cultural, temos que vencer o desafio de integração, temos que reconhecer os idosos como sujeitos de direito, como pessoas que têm condições de decidir sobre a sua própria vida. As pessoas não querem envelhecer porque têm medo de se tornarem inúteis, serem pessoas dependentes.”
Ainda no papel
Quanto à atuação do Estado e às políticas públicas, o país avançou no reconhecimento legal de direitos, reconhece Daniella Jinkings. No entanto, ela assinala que “vários serviços que estão na Política Nacional da Pessoa Idosa, reiterados no Estatuto da Pessoa Idosa, ainda não saíram do papel”. “Não temos serviços de cuidado domiciliar, temos uma rede muito pequena de centros dia para pessoas idosas ou de instituições de longa permanência. A integração entre as políticas intersetorialmente ainda é difícil”, avalia.
A pesquisadora também destaca que o envelhecimento populacional no Brasil é “bastante desigual”.
“As pessoas com mais poder aquisitivo têm expectativa de vida maior do que as pessoas em situação de vulnerabilidade”, diz Daniella Jinkings.
O livro A Pessoa Idosa na Cidade de São Paulo: Subsídios para a Defesa de Direitos e Controle Social aponta que, na maior cidade do país, por exemplo, “observa-se que quanto mais precária a condição socioterritorial menor a proporção de idosos com idade acima de 75 anos.” A publicação acrescenta que “quanto mais vulnerável a população, maior sua concentração em territórios cujas condições são mais precárias”. Publicado com apoio da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o livro está disponível na internet.
No livro, a análise sobre as desigualdades territoriais apresenta as grandes diferenças de condição de vida entre os idosos que residem em distritos centrais, como Moema e Jardim Paulista, “bem mais providos de infraestrutura urbana e serviços”, e os que habitam a periferia, como Brasilândia e Capão Redondo, “de urbanização mais precária.”
População menor
A média da expectativa de vida projetada em 2021 era de 77 anos – de 80,5 anos para mulheres e 73,6 anos para homens. Esses resultados serão atualizados com as estatísticas do Censo 2022, que deverão confirmar a tendência de envelhecimento, notada nas últimas décadas quando além do aumento da longevidade ainda se observou a diminuição do nascimento de bebês. A taxa de fecundidade (também em 2021) era de 1,76 filho por mulher.
A previsão é que no futuro o Brasil terá mais velhos do que crianças. Projeção publicada pelo Ministério da Fazenda – feita pela analista técnica de políticas sociais Avelina Alves Lima Neta – calcula que, em 2060, “para cada 100 pessoas entre 0 e 14 anos teremos 206,2 idosos acima de 65 anos, ou seja, dois idosos nessa faixa etária para cada uma criança ou adolescente (0-14).”
Bem antes disso, a população brasileira começará a diminuir de tamanho por causa da redução da fecundidade. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), assinado pela técnica de planejamento e pesquisa Ana Amélia Camarano, prevê que a população brasileira crescerá até 2030, quando atingirá seu máximo em “aproximadamente 215 milhões.” A partir daí, o desenho da curva se inverte, deixa de ser de crescimento populacional, pois o número de brasileiros começa a diminuir e em 2040 chegará a cerca de 209 milhões, 6 milhões a menos do que na década anterior.
O mercado de trabalho e a Previdência Social serão bastante impactados pelo envelhecimento e pela diminuição da população durante a formação desses cenários. É possível que as pessoas permaneçam trabalhando por mais tempo e que tenham que se tornar mais produtivas – gerar mais valor naquilo que fazem, com menos recurso e/ou em menos tempo.
A análise do Ipea alerta que “aumentar a produtividade do trabalho é condição fundamental para diminuir os efeitos da redução populacional na competitividade da indústria e, por isso, ela deveria ser um dos objetivos centrais das políticas que visem a aumentar a competitividade e criar empregos”. “O aumento da produtividade poderia, também, minimizar a redução da massa salarial, que é resultado da diminuição da força de trabalho, e melhorar a relação contribuinte/beneficiário e as condições atuariais atuais do sistema previdenciário”, acrescenta.
O estudo evidencia que cuidar dos idosos vai além da assistência social: “A manutenção do trabalhador na atividade econômica por mais tempo requer políticas de inclusão digital, capacitação continuada, saúde ocupacional, adaptações no local de trabalho, como cargos e horários flexíveis, redução de preconceitos com relação ao trabalho do idoso, melhoria no transporte público, entre outras.”
Fonte: EBC GERAL