Thais Falcão percorreu um longo caminho até estrear na ficção. Formada em Rádio e TV, começou a carreira atrás das câmeras, na produção do extinto programa de televisão “Márcia” (Rede Bandeirantes). À época, ela já era mãe de Sofia, hoje com 16 anos. Agora, como roteirista, a paulistana coleciona trabalhos para a Netflix, Globoplay e HBO Max e foi uma das responsáveis pelo script dos realities “Power Couple”, “Drag Me As A Queen” e “De Férias com o Ex”. Ela também está por trás de “Senna”, série produzida pela Netflix que conta a história do piloto de Fórmula 1 e ídolo nacional Ayrton Senna, morto em um acidente durante uma corrida em 1994. Thais, inclusive, é a única mulher roteirista da produção.
“A gente tinha uma consultora, a Belise [Mofeoli], que é uma mulher maravilhosa e esteve com a gente na sala de roteiro, porém ela não ficou a sala inteira. Ela ficou no começo para fazer uma consultoria para a gente, mas acabou não dando tempo de ela seguir com os roteiros”, esclarece ela em entrevista exclusiva ao iG Delas .
Em contrapartida, relata a experiência de ter seguido no projeto como a única mulher a escrever os roteiros: “Foi muito difícil, porque eu não manjava nada de automobilismo, e assim, os meninos, os outros roteiristas, não manjavam, mas eu acho que, por habitarem no universo masculino, tinham algum conhecimento, dessas coisas de roda de amigo mesmo, do tipo: ‘Ah, você viu que Fulano ganhou tal corrida?’. Sabe essas coisas da ‘macholândia’? Isso já colocava eles um pouquinho na minha frente, porque eu não sabia nada”, conta.
Por outro lado, como mulher, Thais acredita ter trazido um olhar mais sensível para a narrativa. “‘Olha, ele vai ter essa corrida aqui, mas ele tinha, sei lá, discutido com a mãe dele, será que isso não afetaria ele de alguma forma? Será que ele não estaria um pouco mais tenso, um pouco mais chateado?’. A gente construía a narrativa para não focar só na corrida, só no peso de ‘vou ganhar ou vou perder um campeonato’, mas em como as questões familiares, as questões pessoais, as questões amorosas poderiam refletir no trabalho dele e vice-versa”, explica a roteirista.
Thais Falcão e Ayrton Senna compartilham algumas coincidências e ela brinca que até se sente próxima do tricampeão de Fórmula 1: “Eu e ele somos da Zona Norte de São Paulo, ali da região do Tremembé, e vira e mexe, a gente cruzava com a família Senna. De vez em quando, muito raramente, a gente via ele. E tem algumas coincidências, tipo os pais dele chamam Milton e Neyde, e o meu pai e a minha mãe chamam Milton e Neide. A gente cresceu no mesmo bairro, estudou na mesma escola. Meu pai trabalhava em uma fábrica no Parque Novo Mundo, o pai dele tinha uma fábrica no Parque Novo Mundo. E eu sabia dessas coincidências, meus pais me contavam, e eu falava: ‘Caramba, parece que a gente é muito próximo, eu e o Ayrton’ (risos)”.
Mulheres no audiovisual
Durante o nosso bate-papo, Thais refletiu sobre as barreiras que as mulheres enfrentam no mercado do audiovisual. Apesar dos avanços nos últimos anos, as profissionais femininas têm mais dificuldades para conquistar prestígio na indústria, e a desigualdade salarial permanece uma problema, com mulheres frequentemente recebendo cachês mais baixos do que os seus colegas homens por trabalho equivalente.
“Se eu paro para pensar, eu conheço muito mais roteiristas homens do que roteiristas mulheres, e dessa equação, os roteiristas homens que eu conheço são mais bem pagos, mas assim, eles estão a passos mais longe na carreira, tem mais prestígio, estão mais evoluídos. Por exemplo, a maioria dos roteiristas homens que eu conheço não passaram pelas coisas que eu passei, de ir galgando um lugar até a ficção, né? Eu escrevi roteiros institucionais, passei por realities. Passei por um monte de coisa até conseguir fazer alguma coisa de ficção. A grande maioria dos homens que eu conheço falam: ‘Ah, eu era amigo de um diretor…’. Já começaram escrevendo ficção”, desabafa.
Questionada se acredita que as plataformas de streaming ampliaram as oportunidades para as mulheres roteiristas, ela atesta: “Sim, mas ainda está longe de ser o ideal”. A roteirista relata que, há cerca de dois anos, ela e um colega homem foram convidados para escrever um projeto. O problema? Ofereceram para ela um cachê 30% menor do que o que ofereceram para o rapaz.
“Ah mas veja bem, é que ele tem mais experiência do que você…’. ‘Tá, ele pode ter mais experiência em ficção, realmente, mas na área, eu tenho até mais experiência do que ele, porque eu sou mais velha, eu fiz tal e tal projeto. Mas, deixando tudo isso de lado, vocês estão contratando a gente para executar a mesma função, com a mesma demanda de trabalho’. E isso aconteceu há dois anos, não é uma coisa que aconteceu lá em 2015, quando ninguém falava de disparidade salarial”.
Projetos futuros
Atualmente, a roteirista está escrevendo o seu primeiro longa-metragem, o filme “V de Virgens”, ainda sem previsão de lançamento. A história acompanha um grupo de amigas que planejam como perder a virgindade em uma festa no final do Ensino Médio. “Tem um filme que eu amo que é o Superbad (2007), e aí eu estava assistindo e pensei: ‘Cara, por que não tem um filme que mostra as meninas quando elas querem perder a virgindade?'”.
“Todo menino adolescente de 14, 15, 16 anos é p*nheteiro e é legal. E a menina? Parece que não pode falar sobre isso, parece que o prazer juvenil só está no homem. O menino sente tesão, e a menina não, a menina é romântica, quer perder a virgindade com o primeiro amor da vida. No nosso filme, nada vai para o lado do romance. São quatro meninas que se dão conta de que são as únicas virgens do terceirão: ‘A gente vai fazer uma festa de rompimento do hímen'”, acrescenta.
Para escrever o enredo, Thais se isolou recentemente no Nordeste, ao lado da amiga Marina Maria Iorio, roteirista de “Turma da Mônica – A Série” e co-autora de “V de Virgens”. As duas trouxeram muitas de suas experiências pessoais, sobretudo, na adolescência, para o script. “A gente quer falar para as mulheres e, principalmente, para as meninas, que está tudo bem sentir prazer, tudo bem sentir tesão, tudo bem querer transar. E tudo bem também não querer transar, tudo bem querer esperar, tudo bem querer continuar sendo virgem”.
Ela finaliza: “Outra coisa que a gente trouxe e é muito legal é um pouco do Pornochachada, que é um clássico do cinema brasileiro. Superbad é maravilhoso? É maravilhoso, mas é um filme adolescente tipicamente americano. Não é a nossa realidade. E esse é um filme que a gente quer que seja uma comédia jovem tipicamente brasileira. Mas claro, o Brasil é um universo em si, o jovem de São Paulo é totalmente diferente do jovem do Amazonas”.
A expectativa é de que o filme seja lançado no cinema. “A gente está unindo esforços para isso. A gente quer ver putaria feminina na tela grande”, conclui bem-humorada.
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Fonte: Mulher