Aos 22 anos, Maria Clara Strambi carregou uma responsabilidade imensa: em seu primeiro trabalho para a televisão, dar vida a Ariane no seriado “João sem Deus” (Globoplay), que retrata a queda do líder religioso no município de Abadiânia, no interior de Goiás. A série gira em torno de duas personagens fictícias principais: as irmãs Cecília e Carmem, interpretadas por Karine Teles e Bianca Comparato, respectivamente, que veem suas vidas mudarem completamente após seus caminhos cruzarem com o de João de Deus (Marco Nanini).
Na trama, Cecília está perdendo a visão por causa de um tumor e aceita procurar a ajuda do médium. Mas depois, traumatizada pela violência, ela se muda para Lisboa, enquanto a irmã, cega pela fé, se torna uma leal funcionária da Casa Dom Inácio de Loyola, onde aconteciam as tais curas milagrosas. As duas se reecontram anos mais tarde, quando surgem as primeiras denúncias contra João de Deus e entram em conflito sobre ele ser ou não um criminoso.
Ariane (Maria Clara Strambi) é filha de Carmem. De início, a jovem de 17 anos é só uma adolescente comum, até que, ao longo da história, ela se descobre como mais uma das vítimas dos abusos em Abadiânia. Ao iG Delas, Maria Clara falou sobre a estreia na TV, deu detalhes sobre a preparação para viver a personagem e abriu o jogo sobre seus futuros projetos. Veja a seguir a entrevista completa com a atriz:
IG DELAS: Conta para a gente um pouquinho da sua trajetória profissional. Você sempre soube que queria ser atriz?
Maria Clara Strambi: Comecei fazendo comerciais quando era bem pequena, em Belo Horizonte, onde cresci e nasci. Minha mãe preferiu que eu parasse depois de uns anos para focar nos estudos e ter uma infância tranquila. Parei com a publicidade, mas foi aí que entrei para as aulas de teatro. Comecei com 10 anos e agora estou aqui. Por um tempo, achei que precisava fazer uma outra faculdade, ter um plano B, mas isso nunca aconteceu. Nada nunca me interessou mais do que as artes.
Ao longo da sua carreira, você encontrou dificuldades para conseguir papéis de destaque? Você chegou a se questionar se estava seguindo o caminho certo? Se arrepende de alguma decisão durante esse período?
Faz 12 anos que estudo teatro e 6, que trabalho profissionalmente. Passei por experiências maravilhosas, mas, com certeza, há mais momentos difíceis do que prazerosos. Em “João sem Deus”, tive meu primeiro papel de destaque e sou muito grata por isso, mas essa é uma carreira em que você não tem garantia de nada. Hoje, posso pegar um trabalho incrível e amanhã estar me desdobrando em mil funções para pagar as contas. Isso acontece comigo e com a maioria dos meus colegas. Tem dias em que amanheço esperançosa e criativa e outros que penso: “Ainda sou nova, dá pra jogar tudo pro alto e mudar de carreira!” (risos). Mas, no fundo, apesar de todo o drama, eu amo essa profissão, ou melhor, esse modo de vida, que é ser artista. Não me arrependo dessa escolha, mas me questiono, sim, se estou no caminho certo, quase diariamente. Parece contraditório – e é mesmo.
Quais são as suas maiores referências na televisão? Tem alguém em quem se inspira?
Muita gente, sou muito motivada pelas minhas referências! Falando de TV, atualmente, tenho como grande inspiração a Letícia Colin. Acho que ela transita muito bem entre os gêneros, faz um pouco de tudo. Transparece muita versatilidade e autenticidade.
Sendo uma atriz iniciante, como você se sentiu quando soube que iria atuar com atores já consagrados no meio, como Marco Nanini, Bianca Comparato e Karine Teles?
Primeiro, eu não acreditei, a ficha não caiu de cara. Mas depois, eu só conseguia agradecer. Eu só pensava no quanto eu ia aprender com essas pessoas, logo no meu primeiro trabalho na TV. Tipo, Nanini! Quando eu era adolescente e comecei a estudar atuação para câmera, a Karine era tipo minha deusa suprema. E ainda é! É aquela história de conhecer seus ídolos: pode ser maravilhoso ou não muito bom. No meu caso, foi maravilhoso!
“João sem Deus” retrata um tema bastante delicado, o abuso sexual e a fé. Como foi o seu processo de preparação para a série? Você teve a oportunidade de conhecer pessoas próximas a João de Deus ou estudar materiais relacionados a ele?
Todos nós estudamos bastante todo o material documental que existe sobre o João de Deus, foi nossa maior referência. Eu não cheguei a conhecer ninguém que trabalhou na Casa, mas enquanto mulher, a gente conhece várias histórias de abuso perto da gente. É um assunto recorrente, mas que muitas vezes, a gente prefere não dar atenção, talvez como forma de se preservar mesmo. Grande parte do meu processo foi me religar a esse campo, me lembrar mais uma vez da gravidade do problema, mergulhar mesmo nesses temas profundos e que fazem você se deparar com as suas próprias vivências e questionamentos. Em um projeto assim, a sensibilidade é protagonista.
Ariane, sua personagem, de início, é uma adolescente comum, até que, ao longo da série, ela vai passando por todo um processo de construção, se questionando e questionando o mundo ao seu redor, até que ela também se percebe como uma das vítimas do abuso. Como você lidou com os desafios emocionais de interpretá-la?
Quando a gente estava gravando, eu não fazia praticamente mais nada. Só pensava no trabalho e me preparava como podia. A personagem era difícil, eu tinha que me instrumentalizar o máximo possível para enfrentar as cenas mais densas e construir um arco que fizesse sentido no tempo curto de três episódios. É claro que bate um medo de não entregar, e a gente tem um compromisso grande com a obra, mas eu me sentia muito confiante no set da Marina [Person, diretora]. Se alguma coisa desse muito errado, eu sabia que estava amparada por uma mulherada espetacular.
Com o fim das gravações da série, quais são os seus planos para o futuro?
Eu tenho sempre meus projetos caminhando no teatro, principalmente com o grupo do qual eu faço parte, o Màli. Espero que um dia isso possa acontecer no audiovisual também. Me esforço para conquistar um fluxo de trabalho, que me permita realizar o sonho de todo artista, que é viver da sua arte. Tenho consciência dos meus muitos privilégios, mas não é uma carreira fácil para ninguém. Sempre ouço a voz da Elis Regina na cabeça: “A esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar”.
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Fonte: Mulher