Escritor deixa livro interrompido sobre a Amazônia e se torna personagem de sua própria tragédia
Tião Maia, especial para Fotos e Fatos News
Foto: Acervo pessoal
Em 13 de dezembro de 1904, uma terça-feira, no Rio de Janeiro, capital da República recém-estabelecida, uma equipe de homens comandada pelo renomado escritor e engenheiro Euclides da Cunha embarcava no vapor “Alagoas”, com destino inicial a Manaus, no Amazonas, e, posteriormente, ao rio Purus, afluente do rio Acre, na fronteira com o Peru.
“A partida para o Alto Purus é ainda o meu maior, o meu mais belo e mais arrojado ideal. Estou pronto à primeira voz. Partirei sem temores… nada me demoverá de um tal propósito”, escreveu Euclides da Cunha em uma carta datada de Guarujá, em 6 de julho de 1904.
Assim começava uma viagem que, completados 120 anos nesta sexta-feira (13/12), ainda reverbera na história. Acreanos e brasileiros interessados no passado do país continuam a embarcar nessa narrativa. Euclides e seus companheiros dirigiam-se ao Acre como membros da Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Alto Purus, visando a demarcação das fronteiras entre os dois países. Menos de um ano antes, o Acre havia sido pacificado com a assinatura do Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro de 1903, que pôs fim aos conflitos entre o exército seringueiro liderado por José Plácido de Castro e o exército boliviano comandado pelo general José Manuel Pando Solares. O tratado foi articulado por José Maria Paranhos Fleury, o Barão do Rio Branco, que convidou Euclides da Cunha para essa missão.
Casado com a bela Ana Emília Ribeiro e pai de dois filhos, Euclides da Cunha não era exatamente um aventureiro. Sua escolha para liderar essa expedição rumo à misteriosa Amazônia não foi por acaso. Ele se destacou como jornalista ao cobrir a Guerra de Canudos, entre 1896 e 1897, no sertão da Bahia, um conflito armado que opôs os habitantes do arraial de Canudos, liderados por Antônio Conselheiro, ao Exército Brasileiro. Os textos que escreveu durante esse período foram reunidos no livro “Os Sertões”, um dos maiores clássicos da literatura brasileira. No Acre, além de estabelecer os limites da fronteira, deveria escrever outra obra, intitulada “O Paraíso Perdido”, que ambicionava ser tão monumental quanto “Os Sertões”, mas que ficou inconclusa.
No ano de 1905, Euclides da Cunha já navegava pelos rios da Amazônia. Em maio, chegou à localidade de Boca do Acre, enfrentando contratempos como doenças e até o naufrágio do batelão “Manoel Urbano”. No mês seguinte, alcançou a foz do Chandles, um rio ainda sem nome, que foi batizado em homenagem ao pesquisador inglês William Chandless, que havia explorado o Purus anos antes, embora não tivesse conseguido mapear todo o rio devido às dificuldades logísticas.
O relatório de sua viagem, entregue em 16 de dezembro de 1905, refletia suas frustrações com a Amazônia. Ele descreveu a região como “impressionante sim, ciclópica. Muita água, imensa, barrenta, perigosa, muito mato, muito cipó e muito bicho. Uma imensidão deprimida.” Sua visão era de um lugar estranho e fantástico, mas também desolador. “O homem era um intruso lá. Os moradores, todos pobres, sobreviviam apenas por um nomadismo em meio à floresta”, lamentou.
Antes da tragédia que marcaria sua vida, Euclides da Cunha havia sido eleito para a Academia Brasileira de Letras e seu nome começava a ser cogitado como possível candidato à presidência da República. No entanto, sua trajetória seria interrompida de forma abrupta em um crime passional. Ele e Ana casaram-se jovens, aos 18 anos, mas a ausência do marido durante longas temporadas levou Ana a encontrar conforto nos braços de Dilermando de Assis, um cadete do Exército.
A descoberta da traição levou a um desfecho trágico. Na manhã de 15 de agosto de 1909, Euclides, tomado pela raiva, armou-se e foi atrás do amante de sua esposa. O confronto resultou na morte de Euclides e na paraplegia de Dinorah, irmão de Dilermando, que tentou intervir. Euclides, em sua defesa, foi absolvido das acusações, mas não sobreviveu aos ferimentos.
Após sua morte, Ana e Dilermando casaram-se em 1911, mas a tragédia não os abandonou. Em 4 de julho de 1916, o filho de Euclides, Quindinho, em busca de vingança, disparou contra Dilermando, mas foi fatalmente ferido. A sequência de tragédias continuou quando Solom, o filho mais novo de Euclides e Ana, foi assassinado em um tiroteio no Acre, onde se encontrava em razão do temor de uma possível vingança.
O legado de Euclides da Cunha permanece não apenas em suas obras, mas também nas tragédias que marcaram sua família, refletindo a complexidade da vida e da história brasileira.