Luciana de Gnone: Entre palavras e likes

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“Descobri a trancos e barrancos que a realidade é bem mais complexa”

Quando ocorreu a transição da profissão de escritores para criadores de conteúdo? Será que, por eu ter iniciado a carreira há pouco menos de cinco anos, romantizo como era a profissão no passado? Na busca desenfreada para recuperar o tempo perdido, estudei intensivamente o mercado do livro, o qual não entendia nada sobre coisa alguma. Comecei do zero, com a ingênua ideia de que ser autor significava isolar-se temporariamente do mundo, lançar uma obra e, uma vez publicada, bastava contar com a ajuda dos amigos e familiares para disseminar a novidade. Descobri a trancos e barrancos que a realidade é bem mais complexa.

Sou uma autora independente, e talvez as inúmeras dificuldades enfrentadas tenham contribuído para o meu aprendizado. Poderia detalhar tudo o que fiz de errado, o que precisei refazer, as enrascadas, os conselhos ruins aos quais dei ouvidos, porém, focarei naquilo que mais me atormenta até hoje: a escravização das redes sociais.

Eu quero escrever um novo livro, mas como posso me preparar para isso se preciso analisar qual é a nova tendência da internet e adaptá-la para a minha área de atuação? Eu quero aprimorar minha escrita, mas como consigo estudar se preciso elaborar posts atrativo para entregar conteúdos bacanas e, quem sabe, converter seguidores a leitores? Eu quero ler mais e mais, mas com que tempo, se o que tenho disponível preciso editar vídeos curtos, pois esses dão mais visibilidade na internet?

“Você não larga esse celular!”, é o que escuto em casa, principalmente do meu filho que, vejam só, é um adolescente. Acredite, meu maior desejo é largá-lo, e estou certa de que não estou sozinha neste barco, nem mesmo se trata de uma vontade exclusiva de escritores. Vejo inúmeros outros profissionais, de diferentes áreas sofrendo igualmente.

Há pouco tempo me rebelei; contudo, foi um movimento calculado. Minha vontade real era desinstalar de uma vez por todas o aplicativo da rede social que mais me consome. No entanto, sei das consequências, então, apenas eliminei o atalho do acesso rápido, ao primeiro toque. Desabilitei as notificações de novas mensagens porque conheço os riscos que uma rápida olhadinha pode gerar, conduzindo-me ao limbo dos vídeos curtos, que engolem as horas do meu dia.

Fico instigada ao imaginar o que Clarice Lispector faria se precisasse atrasar a escrita de um texto porque faz tempo que não dá as caras no seu perfil do Instagram. Não me leve a mal, longe de mim me comparar a ela. Contudo, preciso insistir, quando foi que essa transição aconteceu?

Fonte: Mulher

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