Emoção e adrenalina são duas coisas que não faltam na vida de Mariana Becker . Gaúcha radicada em Mônaco, na costa sul da França, a jornalista é uma daquelas que não deixam as oportunidades passarem. E foi assim que ela chegou onde chegou e se tornou a primeira mulher brasileira a cobrir a Fórmula 1 na televisão .
Com quase 30 anos em atividade, 27 deles na Globo, a repórter começou a carreira no jornalismo esportivo. Seu espírito aventureiro e desejo de desbravar o mundo acabaram levando ela, quase que sem querer, para a cobertura automobilística. Era a escolha perfeita para a emissora, que queria experimentar ter uma mulher no esporte.
Com o fim do contrato entre a TV Globo e a Liberty Media, dona dos direitos da Fórmula 1, em 2021, Mariana deixou o canal e hoje continua sua trajetória de sucesso na Band. Com o microfone na mão e uma mochila nas costas (além de uma santinha ou alguma lembrança dos pais), ela viaja pela Europa cobrindo os principais campeonatos de automobilismo do mundo.
Em um bate-papo exclusivo com o iG Delas , Mariana falou sobre carreira, machismo, protagonismo feminino e maturidade. Veja a seguir:
iG DELAS: Você foi a primeira mulher brasileira a cobrir a Fórmula 1 na televisão. Hoje, quase 30 anos depois, você acha que esse cenário está diferente? Há mais espaço para as mulheres na cobertura automobilística?
Mariana Becker: Acho que hoje está muito diferente do que era quando eu cheguei. Hoje em dia, você vê muitas mulheres não só na cobertura, mas também muitas engenheiras, vê até mecânicas, o que é mais raro ainda do que engenheiras. Ainda faltam mulheres em posições decisórias, você tem estrategistas, já tivemos duas mulheres como chefes de equipe, mas não por muito tempo. O fato é que hoje em dia, diferentemente da época em que eu comecei, tem mais mulheres em várias áreas e mulheres que fazem a diferença para o ambiente da Fórmula 1. Não são mais mulheres que estão contribuindo às sombras, são mulheres que estão também no foco dos holofotes, que decidem as coisas, que explicam as coisas, mulheres de quem o ambiente depende para funcionar.
Você já se imaginava trabalhando com Fórmula 1?
Não me imaginava, porque eu não era uma fã de Fórmula 1, não era o meu sonho. Eu gostava de Fórmula 1 como todo brasileiro. O que eu sempre sonhei, vamos dizer assim, o que eu sempre quis para a minha vida, era ter uma vida bastante livre, que eu pudesse viajar pelo mundo e ter contato com outras culturas, e aí depois veio o jornalismo, eu me apaixonei pela profissão, fui para a Globo assim que me formei e trabalhei lá, aprendi a ser uma profissional de jornalismo e fui aproveitando as oportunidades que apareciam. Fui para o esporte, porque é uma coisa que eu adoro, e aí depois eu acabei na Fórmula 1.
E como isso aconteceu?
Eu já falava línguas, já estava cobrindo eventos internacionais e corri três anos no Rally dos Sertões, um como navegadora e dois como piloto. Então, eu acho que os meus chefes começaram a me olhar também como alguém que gostava de automobilismo, e aí surgiu essa oportunidade. A Globo queria experimentar ter uma mulher na cobertura da Fórmula 1 e me perguntou o que eu achava. Eu, que sempre gostei de desafios, principalmente de fazer coisas que ninguém tenha feito ainda, eu adorei e foi aí que eu comecei essa história.
E sendo pioneira na cobertura automobilística na televisão, você já se questionou sobre o seu próprio trabalho? Já passou pela chamada “síndrome da impostora”?
A síndrome da impostora é uma coisa que acompanha muitas mulheres, e claro que eu não fui uma exceção. Eu me questionava muito porque, como a gente não tinha outras mulheres dentro desse ambiente com quem eu pudesse conversar, que pudessem me dizer ‘Olha, nisso você tem razão, naquilo não tem razão’, eu sempre exigi muito de mim. Muitas vezes, eu me perguntei se estava falando certo, se estava sendo boa o suficiente. Mas eu acho que todo jornalista quando chega num ambiente em que a técnica é muito importante, ele tem que aprender muito, e eu exigia muito isso de mim, então eu estudei bastante.
Estando em um ambiente predominantemente masculino, você já foi vítima de comentários machistas?
Eu acho que o machismo eu sentia quando homens que às vezes nem eram tão bem preparados criticavam qualquer tipo de falha minha, ou às vezes não era nem uma falha, mas exigiam demais de mim, mesmo aqueles que não tinham o conhecimento exigiam de mim, ou então qualquer erro meu tinha um peso muito maior do que de um homem. Vinha aquela história ‘Ah, é mulher, como é que vai saber?’, ‘Ai essa menina…’, aquela coisa de se referir a você como uma menina ou então duvidar do que você está apresentando, sem sequer ter uma justificativa.
Você é casada há quase 15 anos com o produtor de TV Jayme Brito. C omo é trabalhar com o marido? Qual o segredo para separar o casamento da profissão?
Uma coisa acaba interferindo na outra, separar os dois é algo que eu acho muito difícil. A gente toma alguns cuidados para tentar fazer com que essa interferência seja o menos maléfica possível. A gente tenta não falar de trabalho em alguns ambientes, quando estamos junto em algum Grande Prêmio, eu preciso dormir no meu quarto, ele no dele. A gente se visita, mas dorme cada um em um quarto. É importante ter um momento sozinho para descomprimir, para relaxar. Senão, a gente volta para o quarto e segue falando do que deu errado, aquilo invade muito a nossa vida pessoal.
Aos 52 anos, como você lida com o envelhecimento?
Cara, o envelhecimento não é uma batalha que você tem que travar, porque é uma batalha perdida. Você vai envelhecer, não tem como não envelhecer. Eu não vou voltar a ter a pele que eu tinha com 20 anos, eu sei disso. Então, eu me cuido, assim, por uma questão, talvez um pouco, de vaidade. Eu não me maquio muito, e como eu estou correndo o dia inteiro, eu acabo não refazendo a maquiagem, como, teoricamente, eu deveria. E essa é a maneira com que eu lido com envelhecimento: qual é a minha prioridade naquele momento?
Eu vou colher mais informação e revisar o texto para poder entrar ao vivo ou largar tudo e fazer a maquiagem para sair linda no vídeo? Eu não estou aqui, de maneira alguma, julgando. Cada um tem a sua prioridade, e todas prioridades são válidas. E às vezes você consegue fazer tudo ao mesmo tempo. Mas se eu tiver que escolher, eu prefiro, sei lá, almoçar, trocar minha meia que está molhada, reler as coisas que eu escrevi. Eu não tento parecer ter uma idade que eu não tenho, e isso é dos dois lados: não parecer muito mais velha do que eu sou e nem mais nova porque eu não vou conseguir, né?
E o que você acha que o amadurecimento trouxe de lição?
O envelhecimento, para mim, se traduz quando você passa a ser muito inflexível, sabe? Quando você passa a pensar ‘Chega, eu já não tenho mais idade para isso, para entender, eu não preciso entender’. De certa forma, quando você envelhece, você acredita que não tem mais porque se esforçar para algumas coisas. Mas eu não deixo de conversar com gente mais jovem. Eu tenho um monte de amigos bem mais jovens do que eu e amigos bem mais velhos. Eu não deixo de tentar entender o que está passando na cabeça de outras pessoas que estão vivendo outras realidades, entendeu? E eu acho que isso te mantém, de certa forma, jovem. Porque você fica mais flexível, mais compreensível. E você consegue dialogar mais com quem é de outra geração e de outra realidade.
Você sempre viaja pra lá e pra cá por causa do trabalho. Durante essas viagens, o que não pode faltar na sua mala?
Apesar de eu fazer toda uma organização para não me faltar o que eu preciso, sempre falta, e sempre faltam as coisas mais inacreditáveis. Prendedor de cabelo parece bobagem, só que na hora que começa a ventar, você tem que entrar ao vivo e seu cabelo está na cara, não é mais uma bobagem. Aquilo ali te atrapalha, o cabelo passa a ser um troço que te incomoda. Então, os detalhes são importantes. Mas já me faltou de tudo: capa de chuva, pijama, calcinha, sutiã, já faltou meia, escova de dente,batom, já faltou de tudo.
E tem algum objeto que você sempre leva com você nas viagens?
Eu sempre levo comigo uma santinha, ou uma medalhinha, o anel da minha mãe… Eu acho que quando o bicho pega e dá tudo errado, e isso pode acontecer muito na minha profissão, porque de repente tem um acidente, alguém morre, ou então dá tudo errado, eu tenho ali um pequeno ponto de estabilidade no meio dessa tempestade: olhar para o anel da minha mãe, para alguma coisa do meu pai, ou para a santinha, que traz, de certa forma, proteção.
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Fonte: Mulher