Por Luiz Carlos Azedo
A disputa entre os EUA e a China abre possibilidades para o Brasil se inserir de forma mais competitiva nas cadeias globais de valor e recuperar um pouco da complexidade industrial perdida
“O Brasil não é para principiantes” é uma das muitas tiradas do maestro Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o Tom Jobim, que dispensa maior apresentação. Caiu no gosto popular e os principiantes passaram a ser chamados de amadores. Não é mesmo, ainda mais depois que o eixo do comércio mundial se deslocou do Atlântico para o Pacífico, palco disputa entre os Estados Unidos e a China, que agora emulam a liderança da inovação e da tecnologia de ponta. Essa polarização não está se dando apenas no terreno dos produtos eletrônicos, maquinas e equipamentos, agora também ocorre no diplomático e no plano militar. Os chineses buscam a paridade estratégica na geopolítica global.
É nesse contexto que ocorre a Guerra da Ucrânia, que se tornou o epicentro dos conflitos entre o Ocidente e o Oriente, a partir da brutal invasão da ex-república soviética pela Rússia. O presidente russo Vladimir Putin já está moralmente derrotado, em termos militares, porém, a situação não está definida. Boa parte da bacia carbonífera do Dom foi ocupada pelo exército russo.
A resistência ucraniana se tornou uma “guerra por procuração” da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) com a Rússia, patrocinada pelos Estados Unidos e a Inglaterra, que recuperaram a hegemonia na Europa Ocidental. Alemanha e França, principalmente a primeira, por causa da implosão do seu acordo energético com a Rússia, já nem têm o poder de decidir os rumos da União Europeia. Países como a Suécia, a Noruega e a Polônia ganharam mais protagonismo.
As sanções econômicas contra a Rússia não surtiram o efeito esperado, seja porque o país tem uma economia que já passou por outras situações como essa, seja porque a aliança com a China e o grande jogo político da Ásia estão ensejando a ampliação de um novo sistema internacional de trocas ancorado no yen, isto é, sem o dólar. O acordo entre o Irã xiita e a sunita Arábia Saudita, patrocinado pela China, muda o curso dos acontecimentos no Oriente Médio, com impacto no Iêmen, no Iraque, na Síria e no Líbano.
Liderança
A bipolaridade entre os Estados Unidos e a China parece consolidada, mas o mundo pode ser muito melhor se a guerra acabar e emergir um mundo multipolar, em que Ocidente e Oriente tenham relações pacíficas e estáveis. O Brasil tem um papel de liderança na América Latina, principalmente na América do Sul, mas isso nos leva a concessões políticas quanto aos regimes autoritários do continente, como a Venezuela, Nicarágua e Cuba, e uma identificação com o populismo peronista da Argentina e o nacionalismo étnico da Bolívia.
Também temos problemas demais (crise fiscal e social, ameaça de recessão, desindustrialização, desmatamento e violência contra os índios, extrema direita fortíssima), mas isso não nos impede de ocupar um posicionamento estratégico que nos dê algum protagonismo no chamado Sul Global, ao lado da Índia, da Indonésia e da África do Sul.
A ideia de ser um dos mediadores do conflito da Rússia com a Ucrânia para ocupar um novo papel não depende apenas da boa vontade de Putin e do apoio de Xi Jinping, que acaba de ser reeleito. Depende da relação de confiança com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. No seu segundo mandato, Lula negociou um acordo nuclear com o Irã e a Turquia que parecia ter sinal verde do então presidente dos Estrados Unidos, Barack Obama, mas a vice-presidente Hilary Clinton o detonou. O então presidente francês Nicolas Sarkozy, com quem Lula também contava, seguiu o alinhamento histórico da França com a Otan.
É um cenário muito difícil, mas abre algumas possibilidades de o Brasil se inserir na cena internacional, adquirir mais complexidade nas cadeias globais de valor e recuperar um pouco da densidade industrial perdida. Na medida em que os Estados Unidos procuram se desvincular das cadeias de produção da China, podemos buscar uma opção semelhante às da Índia, Indonésia, Vietnã, Polônia e México, que atraíram investidores, inclusive chineses e norte-americanos, para a fabricação de produtos em cujas cadeias globais pudessem se inserir. Nesse sentido, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento Econômico e Comércio Exterior, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, têm um importantes papel a cumprir.
Coluna publicada hoje no Correio Braziliense e no Jornal Estado de Minas.
Aqui reproduzida com autorização do autor.