Era pouco mais de 6h30 da manhã quando a brasileira Mônica Housser despertou com as sirenes tocadas na região de Ramat Gan, cerca de cinco minutos de Tel Aviv. A primeira reação foi logo pegar o filho, de apenas 10 meses, e acordar mãe para se esconderem em um bunker no prédio.
Moradora de Israel há sete anos, ela admitiu ter entrado em estado de desespero com os primeiros ataques. Mônica conta que precisou readaptar a rotina do filho e que o choro entrou para o diário da família.
“Tive uma noite difícil, meu filho acordando muito, então, eu não estava dormindo pesado. Às 6h30, achei que estava louca de estar escutando a sirene. Fui até a varanda e vi que era real. Corri para acordar minha mãe, pegar meu bebê e meu cachorro para descermos. Chorei, chorei muito. Abraçada com minha mãe e meu filho, eu só pensava nas pessoas que não iam mais poder fazer nada disso. Só pensava em como somos impotentes durante dessa grandiosidade que é o mundo e a vida. Que para morrer basta estar vivo.”, conta.
“Graças a Deus ele ainda não entende o que está acontecendo. Mas a rotina dele está mudada. Nos primeiros dias a gente estava em casa e eu tenho um bunker no prédio. Toda vez que tocava a sirene, ele estava dormindo. Tinha que acordar ele para descer. Não saímos de casa com medo e ele não está acostumado a ficar o dia tudo em casa, isso o deixou meio irritado. Agora viemos para casa da minha irmã que tem quarto seguro dentro de casa. Agora as coisas estão mais fáceis”.
No dia 7 de outubro, o Hamas enviou cerca de dois mil mísseis para cidades israelenses, além de preparar um exército para invadir Israel pelo ar, mar e em terra. O governo de Benjamin Netanyahu respondeu aos ataques e mantém os bombardeios na região de Gaza mesmo após a Organização das Nações Unidas (ONU) sugerir um cessar-fogo para as negociações de paz.
O conflito, que já dura mais de 20 dias, já deixou mais de oito mil mortos e milhares feridos. Só na Palestina, mais de sete mil pessoas morreram, sendo a maioria crianças.
Mônica lembra que recebeu a ligação de uma amiga e entrou em desespero ao saber que a filha dela poderia estar entre os mortos em uma festa rave no sul do país. No evento, mais de 200 pessoas morreram, incluindo três brasileiros.
“De repente, uma das minhas melhores amigas me liga. A filha dela estava na festa no Sul e estava tentando falar com ela, mas não conseguia. A filha manda um sinal de emergência e ela quer ir até o Sul para procurar, mas eu não deixo. Tento manter a calma, mas acabo caindo em prantos e gritando com ela. Ela pega o carro e vai mesmo assim. As estradas estão fechadas e os policiais não a deixam passar, o que fez ela voltar para casa”.
“Na TV começa a passar uma imagem de jovens correndo em direção aos carros e saindo de uma rave. Me dou conta que era ali que ela estava e entro em desespero. Só aí que começamos a entender a grandiosidade da coisa. Pensamos que a filha dela poderia estar muito machucada ou até morta. Depois de algumas horas, minha amiga me liga de novo dizendo que graças a Deus a garota estava no hospital e que ela ia lá buscá-la.”, lembra.
A cidade de Ramat Gan não foi atingida pelos bombardeios, mas Mônica lembra que é possível ouvir as explosões em Tel Aviv. Ao iG, ela declarou que o 7 de outubro ficará marcado como um dos piores dias de sua vida.
“Esse sábado foi o pior sábado da minha vida. E foi o sábado que antecedeu o caos, o nervosismo, ansiedade. E choro, muito choro. Porque nesse momento é tudo o que eu consigo fazer, chorar.”, afirma.
“Nosso 11 de setembro”
Ao andar pelas ruas, o israelense Beny Rubinstein não vê mais vida em Tel Aviv. Comércio fechado, calçadas vazias e parques completamente desertos.
Ele conta que ouviu a sirene, mas ficou sem entender o que estava acontecendo no primeiro momento. Criado no Brasil, Beny só descobriu a gravidade dos ataques após assistir às notícias na TV.
“Fomos abruptamente acordados às 6:35 da manhã por sirenes de alarme de mísseis, além do alarme do nosso prédio em Tel Aviv instruindo todos os moradores a se abrigarem em um bunker por pelo menos 20 minutos. Inicialmente, não conseguíamos acreditar que era um alerta de míssil em pleno sábado de manhã. Foi um momento de pânico e preocupação, especialmente porque nossos filhos estavam assustados e confusos. Tentamos acalmá-los e explicar a situação da melhor maneira possível, enquanto nos mantínhamos vigilantes e esperávamos pelo fim do ataque”.
“A notícia do conflito chegou para pessoas próximas a nós principalmente por meio da TV e das redes sociais. No entanto, devido ao nosso hábito de desligar os telefones no Shabbat – feriado sagrado para os judeus de descanso, ou seja, se desliga celulares e artigos tecnológicos – por questões religiosas, não conseguiram se comunicar conosco até o término dessas 25 horas do nosso dia sagrado. Essa lacuna de comunicação de cerca mais de 12 horas gerou angústia e preocupação adicionais em nossos amigos e familiares, que estavam ansiosos para saber sobre nossa segurança e nosso bem-estar durante esse tempo crítico”, explica.
Beny classifica que os ataques do Hamas como o “11 de setembro” de Israel e lembra que o país tem uma população menor que a dos Estados Unidos e maior quantidade de mortes no conflito.
“Me lembrou do 11 de setembro, quando eu estava voando na United Airlines no horário do ataque terrorista e todas as linhas telefônicas em Nova York estavam congestionadas. Muitos parentes e amigos acharam que eu havia sido vítima no atentado terrorista que matou mais de 2 mil pessoas”, lembra.
“Notem que a população de Israel é 1/36 avos da população dos EUA, de modo que o número de mortos aqui foi cerca de 12 vezes o número de mortos no World Trade Center proporcionalmente. O dia 7/10 foi o nosso 11/9 em Israel. E estávamos incomunicáveis”, completa Beny.
Só em Gaza, 7,3 mil pessoas morreram, enquanto Israel registrou 1,4 mil óbitos. O número ainda tende a ser maior devido alto número de desaparecidos que estão embaixo de escombros.
Mesmo com a escalada de conflitos nos últimos dias, o israelense tem esperança que a interferência de outros países amenize os ânimos no Oriente Médio.
“Tenho esperança e confiança de que, com a cooperação de mais países e um esforço conjunto para combater o terrorismo, possamos iniciar uma nova era de colaboração, respeito e tolerância no Oriente Médio. Israel, com seus valores colaborativos, tem um futuro brilhante à frente, e acredito que a paz e a estabilidade são alcançáveis com a vontade e o empenho das partes envolvidas”.
Solidariedade acalma
Morador de Israel há sete anos, o carioca Marcus Gilban se movimentou para juntar brasileiros em solidariedade ao conflito. Ele lembra que em um dos momentos de ajuda às vítimas o alarme de ataque aéreo soou e foi preciso se esconder em uma portaria para fugir dos bombardeios.
“A cidade inteira está mobilizada para arrecadar doações de sangue, mantimentos e roupas para os moradores do Sul, especialmente aqueles que foram desalojados nas comunidades destruídas pelos terroristas. Eu e minha esposa nos unimos a outros brasileiros para arrecadar doações de casa em casa e levá-los”.
“Quando eu estava com o carro cheio e me dirigindo à central de coleta, soou a sirene, parei o carro e, como não havia abrigo público ao meu redor, me agachei na portaria de um prédio para me proteger de eventuais estilhaços de foguetes”, lembra o jornalista.
Quando está em casa, Marcus e a família precisam se esconder em até um minuto no quarto revestido com proteção anti-ataques e terremotos.
Ele ainda acusa o Hamas de utilizar o artifício da guerra apenas para acabar com Israel.
“Nosso apartamento tem um quarto seguro, revestido para resistir a bombardeios e terremotos. Ao ouvir a sirene, temos até um minuto e meio para entrarmos nele e, após o fim da sirene, devemos aguardar dez minutos para sair e continuar a rotina”,
“Os ataques de grupos terroristas como o Hamas são cíclicos. Financiados pelo Irã e outras fontes muito poderosas, é só o tempo de eles se reabastecerem para atacar de novo. Não é uma questão de se, mas sim de quando. O objetivo do Hamas é destruir o Estado de Israel”, afirmou.
“Estamos em choque”
A escritora Nurit Masijah Gil foi uma das poucas pessoas que não acordou com as sirenes acionadas pelo exército israelense. Moradora do extremo sul do país, a paulista soube do conflito apenas pelas redes sociais e estranhou o aumento das tensões em Gaza.
“É uma região mais afastada e tranquila onde não houve lançamento de mísseis até o momento. Assim, na madrugada do dia 7 de outubro, não acordei com sirenes. Mas abri o celular logo cedo e me deparei com as notícias sobre elas. Estranhei, como o restante do país. Não sabia de nenhuma tensão mais séria e definitivamente não estávamos esperando. Em questão de minutos, ficamos sabendo sobre a infiltração terrorista e alguns vídeos deles nas ruas foram compartilhados. Ainda não fazia ideia do que viria pela frente, mas a sensação inicial foi de pânico”.
“O país está em choque. Fomos pegos de surpresa e vivemos um massacre terrorista, uma barbárie, uma carnificina, uma violência ao estilo do Estado Islâmico, com assassinatos brutais e sequestros. Uma crueldade que não víamos desde o holocausto”
Nurit também classifica o Hamas como um grupo terrorista que tem os judeus como alvo. Ela disse esperar o apoio da comunidade internacional para inibir as tentativas de invasões nas cidades israelenses.
“Em conflitos anteriores, o grupo já demonstrou que não busca a paz, nem o bem-estar do seu povo. A paz na região, para israelenses e palestinos, somente será alcançada com a eliminação total do terrorismo. Eu espero que o mundo finalmente enxergue que um grupo terrorista não pode ser responsável pelo destino de um povo”, acrescentou.
Palestina não é o Hamas
Enquanto alguns acreditam que o Hamas representa a Palestina, outros veem apenas como uma autoridade da minoria. É o caso da Gisele Chulman.
Há alguns meses, ela participou de um grupo que unia israelenses e palestinos. Lá, passou a entender a complexidade da disputa que espaço entre os dois países.
“Recentemente fiz parte de um programa unindo israelenses e palestinos. Aprendi muito sobre a realidade da Palestina e a complexidade da questão. Entendi que há apoio ao Hamas, porém não há suporte da maioria”
Gisele acredita haver pessoas que querem a paz em Gaza, mas vê as ações do Hamas como entrave para se concretizar um acordo com Israel.
“Acredito que há pessoas interessadas na paz por toda a região. Mas isso é um processo que leva tempo e investimento. As ações do Hamas prejudicam extremamente esse processo e só evocam sentimentos de ódio. De maneira alguma vejo massacres e estupros trazendo nenhum benefício para nenhuma parte”.
Volta ao Brasil descartada
Mesmo com o conflito com o Hamas em escalada frequente, os brasileiros ouvidos pelo iG foram unânimes ao recusar a ajuda para retornar ao Brasil. Eles se dizem seguros no país e acreditam que não serão impactados pelos bombardeios.
Mônica Hausser afirma que ama o Brasil, mas que se sente mais acolhida em Israel. Ela conta que familiares do Brasil, principalmente o pai, pediram o retorno dela e da família, mas diz não se sentir segura fora do território israelense.
“Não. Fico aqui. O Brasil é onde nasci e vivi minha vida quase toda. Mas aqui é o país que escolhi viver, que me sinto em casa e que me acolheu maravilhosamente bem”
“Minha família e amigos no Brasil me pedem para voltar. O tempo todo chega uma mensagem de alguém pedindo. Já tive inclusive uma amiga que me ofereceu a casa dela em Miami e outra que ofereceu a de Portugal. Mesmo com essa guerra, eu me sinto segura aqui. Meu pai ainda mora no Rio e está desesperado porque as três filhas e todos os netos estão aqui”.
Já Nurit é enfática ao defender sua manutenção em Israel. Segundo a escritora, sua ida ao país foi para ‘fazer parte’ e não apenas aproveitar os benefícios que tinha a oferecer.
“Não. Quando eu escolhi viver em Israel, não vim apenas aproveitar o que ele tinha para me oferecer. Eu vim fazer parte. Eu amo esse país”.
Fonte: Internacional