Recentemente, mulheres do mundo inteiro se reuniram na 67ª Sessão da Comissão da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Estatuto da Mulher (CSW), em Nova York, para debater a equidade de gênero e o empoderamento feminino na tecnologia e na inovação. Como iniciativa de combate ao racismo no Brasil, o Mover (Movimento pela Equidade Racial) foi convidado para o evento e saímos de lá com uma certeza ainda maior: não existe luta pela equidade de gênero que não passe pela equidade racial e vice-versa.
Um primeiro olhar sobre a cerimônia, passeando entre as convidadas do mundo inteiro, já fez com que o teste do pescoço tivesse um resultado positivo. Para quem não sabe, essa prática consiste em chegar a um espaço (seja um restaurante, um evento, uma festa, uma reunião de uma empresa, entre outros) e girar o pescoço para os lados para identificar o número de pessoas negras naquele local, que posições e funções elas ocupam.
Ali, a interseccionalidade entre gênero e raça começou a validar a nossa certeza: ainda que o tema principal do evento não fossem as pautas raciais, as mulheres negras estavam lá. Tudo isso demonstra que a ONU também entende que ambas as questões precisam andar lado a lado para avançarmos.
Um dos destaques mais incríveis foi a palestra da Helena Bertho, Diretora Global de Diversidade e Inclusão no Nubank. Em um painel sobre o papel das empresas na promoção de mulheres e meninas em carreiras de STEM (áreas ligadas à Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, em português), Helena reforçou um ponto crucial para que a gente tenha tecnologias mais inclusivas, mas que insistimos, muitas vezes, em ignorar: a necessidade de maior diversidade nessas áreas.
Como ela mesma explicou, a tecnologia, com todos os seus avanços e novidades, é sempre um meio. Sozinha, ela não leva à inovação, uma vez que a capacidade de inovar é sempre humana. A inovação só acontece se tivermos pessoas envolvidas na tecnologia e, por isso, precisamos garantir que essas áreas tenham não só diversidade de pessoas, mas também que elas estejam verdadeiramente incluídas.
Quando olhamos para a tecnologia e, infelizmente, para muitas outras áreas também, essa diversidade necessária está ainda muito longe de existir. A desigualdade entre gêneros e entre raças é enorme. A área tecnológica tem as maiores diferenças salariais entre homens e mulheres, com eles recebendo até 63% a mais do que elas (Banco Nacional de Empregos). No geral, considerando todos os setores, a diferença salarial entre gêneros voltou a subir no Brasil em 2022, e as mulheres recebem, atualmente, 78% do salário dos homens (IBGE).
Se olhando por essa média, que é bastante impactada pela presença das mulheres brancas, a situação já é ruim, fica ainda pior quando fazemos o recorte das mulheres pretas e pardas. No Brasil, elas ganham R$36,00 para cada R$100,00 recebido por um homem branco, na mesma função e com as mesmas capacitações (IBGE). As mulheres negras ocupam apenas 11% dos cargos em empresas de tecnologia no Brasil.
Vale lembrar que as mulheres são 52% da população brasileira e as pessoas negras são 54%, segundo o IBGE. Toda essa realidade, escancarada pela CSW e pela nossa vivência enquanto Mover no mercado brasileiro, nos tem feito refletir bastante sobre a intencionalidade das nossas ações para entender como temos olhado para os gêneros e como precisamos criar práticas mais propositivas para as mulheres negras, que movem a economia deste país.
Também entendemos que, para avançarmos e vermos mudanças reais no mundo empresarial, esse é um movimento que não pode ficar como responsabilidade exclusiva de quem participou da CSW. Por isso, esse é um convite para todo o mercado corporativo brasileiro. É preciso olhar para as desigualdades de gênero e de raça de maneira ainda mais intencional e direta, considerando todas as pluralidades e recortes.
Os próprios diálogos estabelecidos na CSW nos ajudaram a ver que o desafio é mesmo global. Ainda que cada país tenha as suas culturas e demografias, há barreiras que são comuns às mulheres de todo o mundo. Além das próprias políticas de diversidade no mercado de trabalho e em posições de liderança, um bom começo para as empresas é trabalhar a inclusão de mulheres de forma efetiva. Para isso, é preciso passar por temas como a saúde mental e a sobrecarga do trabalho profissional e dos cuidados domésticos, a síndrome da impostora e os vieses de maternidade — que percebemos serem obstáculos às mulheres de diversos países.
Mudar essas realidades é uma trajetória de longo-prazo, mas que precisa começar o mais rápido possível, com metas e resultados que começam para já. Só assim, vamos conseguir reduzir os 257 anos que nos separam de superar a desigualdade de gênero no trabalho.
*Marina Peixoto é diretora executiva do Mover (Movimento pela Equidade Racial). Trabalhou para a The Coca-Cola Company no Brasil por quase 19 anos, em diversas áreas, como operação, marketing, inovação, comunicação e RH. Vencedora do Prêmio Ethos 2004, por sua tese sobre o impacto nas vendas pela associação de marcas com causas sociais, sempre trouxe lentes de impacto social nas diferentes áreas do negócio em que trabalhou.
*Luciene Rodrigues é gerente de projetos sociais do Mover. Com passagens por grandes empresas como Coca-Cola, L’Oreal e Itaú. Formada em Marketing e com MBA em Ciências do Consumo pela ESPM, tem mais de 10 anos de experiência em Trade Marketing, Shopper Marketing e Gerenciamento de Projetos, seu currículo, une sua vivência pessoal aos desafios do mundo corporativo para construção de processos , implementação de ações de comunicação e gestão de marca com um olhar mais diverso.
Fonte: Mulher