Por que o Brasil é um país tão vulnerável a interesses pessoais? – 2

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Por que o Brasil é um país tão vulnerável a interesses pessoais? – 2
Reprodução: Flipar

Por que o Brasil é um país tão vulnerável a interesses pessoais? – 2


Como resultado de nossa pouca valorização de tudo o que é comum, coletivo, social, comunitário, colocamos em alta conta tudo o que se relaciona com o pessoal, o individual, o particularizado.

Posta essa condição, parece ser uma consequência até mesmo natural ver a junção disso com a busca de benefícios e privilégios que – dado importante – não pode mesmo ser generalizado, ser para todos. Se assim fosse, “perderia a graça”. Se gozo de um benefício geral, disponível a todos ou a muitas pessoas, já não me sinto tão “especial” assim.


Isso parece explicar, por exemplo, a resistência do brasileiro, ao menos numa média geral, em acatar as determinações legais. A lei, por definição, é genérica e impessoal. Ilustrativamente, a lei que proíbe fumar em ambientes fechados se dirige a qualquer um que esteja em tais condições, ou seja, fumando em espaço fechado. Não interessa à lei se o envolvido é homem, mulher, idoso ou alguém poderoso.

Quando, porém, eu valorizo a diferenciação, a pessoalidade, o tratamento peculiar, o caráter genérico da lei quase não faz sentido. Uma pessoa procura um advogado e este profissional lhe explica haver uma lei específica regulando o seu caso. A pessoa então, ato contínuo, pergunta: “mas não dá para contornar essa lei?!”, e o faz muitas vezes sem sequer saber se a lei em questão a beneficia ou não.

Começamos a entender melhor, assim, porque faz tanto sentido para alguns, em nossa sociedade, utilizar em certas situações o famigerado “sabe com quem você está falando?!”, indicando que para aquela pessoa, para quem invoca essa frase, uma negativa, uma restrição, uma exigência, uma punição que se anuncia, não se aplica. Gente “especial”.

O famoso antropólogo Roberto Damatta afirma que o Brasil “é um país hierárquico em que a posição social e a origem são fundamentais para definir o que se pode ou não se pode fazer, para saber se a pessoa está acima da lei ou terá que cumprí-la”.

Há exceções a isso e inclusive bons exemplos. Castelo Branco, presidente do Brasil entre 1964-1967, soube que o irmão ganhara de presente de seus colegas, funcionários da Receita Federal, um automóvel Aero Willys. Castelo determinou que o presente fosse devolvido. Diante da resistência do irmão, o então presidente lhe falou: “demitido do cargo você já está. A devolução do carro é para evitar a sua prisão”.

Questões corriqueiras, cotidianas, banais até, revelam esse nosso caráter de particularização. Quando nos dirigimos a uma loja e perguntamos o preço de uma calça, uma camisa ou um sapato, ao recebermos a resposta muitas vezes questionamos: “ok, mas quanto você vai fazer para mim?”.

Buscamos esse tratamento especialmente benéfico e único de modo quase automático, imperceptível. E se fazemos isso com uma calça ou um sapato, porque não o faríamos com coisas mais relevantes e valiosas para as nossas vidas e os nossos interesses? Isso, inclusive, abre espaço para as chamadas “pequenas corrupções”.

Embolsar o troco a maior, comprar e usar produtos piratas, usar atestados médicos falsos, estacionar em vagas especiais, pegar sinal de internet de outra pessoa. Em geral, vemos tais atos como “traquinagens” aceitáveis e, além do mais, “todo mundo faz”. Os políticos, porém, saem do povo, desse contexto social de valores e tenderão a achar aceitáveis corrupções maiores, seja qual for a justificativa.

Para quem quiser acessar mais material meu e de outros pesquisadores, deixo aqui o link do Instituto Convicção, do qual faço parte.

Fonte: Nacional

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