As sextas-feiras do analista de suporte Diego Bonfim não são as mesmas desde novembro do ano passado, quando a empresa em que ele trabalha resolveu implementar a semana de quatro dias no seu setor. Com um dia a mais no final de semana, ele agora consegue passar mais tempo com a filha, levar a esposa ao trabalho, resolver pendências e fazer atividades domésticas.
A semana de quatro dias, que vem sendo testada em várias partes do mundo , vai começar a ser oficialmente implementada em empresas brasileiras em junho. A iniciativa é da 4 Day Week Global, comunidade sem fins lucrativos que apoia companhias a mudarem suas jornadas de cinco para quatro dias por semana.
Antes da iniciativa oficial, porém, algumas empresas já adotaram o modelo por conta própria, se atentando ao cenário internacional. Foi o que fez a Vockan, empresa sediada em São Paulo onde Diego trabalha.
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Em novembro do ano passado, a companhia fez um piloto da semana de quatro dias, implementando o novo modelo em um dos setores da empresa. Depois de desenvolver sua própria metodologia para aplicar a novidade, a Vockan se filiou à 4 Day Week Global, fazendo parte dos testes de Portugal. Agora, a novidade chega oficialmente ao Brasil, e empresas de todos os portes podem se inscrever para receberem orientação e consultoria para aplicar a novidade como um teste, decidindo depois se querem manter o modelo.
A semana de trabalho de quatro dias
O modelo adotado pela comunidade global é o 100 – 80 – 100: 100% do salário, 80% do tempo trabalhado e 100% da produtividade. “O piloto da jornada de quatro dias permite que, com menos tempo de trabalho, obtenhamos os mesmos resultados em produtividade e diversos outros ganhos. As empresas que fizeram a transição para uma semana de trabalho de 32 horas percebem aumentos na produtividade, maior atração e retenção de talentos, envolvimento mais profundo do cliente e melhor saúde, bem-estar e felicidade dos colaboradores. É um projeto com foco inicial no aumento de produtividade, mas que acaba resultando em ganhos para os indivíduos, suas famílias e para todos nós como sociedade”, afirma Renata Rivetti, fundadora da Reconnect Happiness at Work, empresa brasileira que será a parceira da 4 Day Week Global no Brasil para a implementação da novidade.
Mundo afora, a jornada reduzida apresentou resultados promissores. No geral, empresas e funcionários tendem a querer manter o modelo após os testes, verificando aumento de produtividade e até do lucro, além de redução em níveis de stress dos funcionários.
Ter a jornada reduzida, porém, nem sempre significa um final de semana maior. Renata explica que a implementação do modelo é muito particular a cada empresa, seu modelo de trabalho e as atividades que executa. Em alguns casos, a folga vem no meio da semana; em outros, cinco dias são trabalhados, mas com carga horária menor, substituindo as 40 horas semanais por 32 horas. “Não há uma fórmula única. Cada empresa encontra seu desenho da semana ideal a partir das experiências nos pilotos”, afirma a especialista.
Experiência brasileira
No caso da Vockan, um dos requisitos do CEO Fabrício Oliveira era de que a folga fosse unida ao final de semana. No piloto, que foi implementado no setor de suporte ao cliente, alguns funcionários folgam na sexta-feira, como Diego, enquanto outros folgam na segunda-feira, para que os clientes não fiquem descobertos.
Mesmo com essa escala alternada, Fabrício conta que foi um desafio convencer os gestores da empresa a implementarem a semana de quatro dias, já que eles viam o modelo como um gerador de mais custos e menos produtividade. “Foi um bafafá aqui”, lembra o CEO.
Durante o projeto piloto, a companhia foi acompanhando métricas como produtividade e satisfação dos funcionários. “Logo nas primeiras semanas, nós vimos um efeito muito positivo, mas muito positivo mesmo”, conta Fabrício. Além da produtividade ter aumentado, o CEO recebeu também comentários de clientes relatando que os funcionários estavam mais motivados em atendê-los.
“A semana de quatro dias é boa para a empresa, boa para os clientes e boa para os colaboradores. E no fim, boa para a sociedade, já que hoje temos grandes desafios em saúde mental”, afirma Renata.
Fabrício também reparou que a atração de novos funcionários e a retenção dos antigos melhorou. “Hoje em dia não é só grana, as pessoas querem ter qualidade de vida”, comenta. Em outros países, esse aspecto também foi notado: no Reino Unido, 15% dos funcionários que participaram dos projetos piloto disseram que não existe dinheiro suficiente que os faça voltarem a trabalhar cinco dias por semana.
Na Vockan, os gestores que eram céticos no início passaram a apoiar o projeto depois de verem os resultados, relata Fabrício. Até o fim do ano, a companhia planeja levar o modelo para todos os setores. “Obviamente não é algo simples de ser implementado, mas vale a pena”, avalia o empresário.
As dificuldades da semana de quatro dias
Tanto Renata quanto Fabrício apontam que uma das maiores dificuldades de implementar a semana de quatro dias é a cultura do empresariado. Eles acreditam que ainda é necessário quebrar a ideia que se tem de que quanto maior o tempo trabalhado, maior a produtividade.
“Precisamos da boa vontade do empresariado brasileiro em querer mudar, entender que o mundo mudou. Nós estamos vivenciando uma nova era, um novo modelo no qual as pessoas precisam estar bem para poderem fazer suas entregas”, afirma Fabrício.
Apesar dos desafios, Renata se diz otimista. “O Brasil adota tendências e inovações. Acredito que com o piloto, caso tenhamos bons resultados, poderemos começar a mudar esse pensamento e implantar aos poucos de forma mais estruturada e sustentável. Vi muita reatividade em relação ao tema da felicidade corporativa e bem-estar nas empresas, e hoje vejo que a maiorias das empresas já entendeu a importância do tema. Acredito que com a semana de quatro dias passaremos pelos mesmos desafios e resultados”, opina.
Outro desafio na implementação da semana de quatro dias é encontrar o modelo ideal para cada empresa, já que setores diferentes da economia têm modelos de trabalho diferentes.
Renata e Fabrício também citam a legislação como mais um entrave, mas essa deve ser uma mudança de longo prazo. Em alguns países nos quais a semana de quatro dias foi implementada, governos já começaram a discutir mudanças nas legislações. “Acredito que a mudança está acontecendo, mas não será do dia para a noite”, avalia Renata.
Fonte: Economia