*Por Elias Albuquerque e Matheus Medauar
A atividade notarial e de registro é uma função pública estatal delegada a um privado, que se organiza em uma estrutura denominada cartório. O ingresso na atividade ocorre mediante aprovação em concurso público, conforme estabelecido pela Constituição Federal no Art. 236, que deu origem à Lei Complementar Nº 8.935/94, conhecida como Lei dos Notários, que regulamenta as atribuições, direitos, deveres, responsabilidades, penalidades e formas de extinção das delegações.
O sistema notarial e registral brasileiro foi fortemente influenciado pelo sistema português, iniciando no Brasil colônia com os primeiros registros feitos junto à Igreja Católica. Com a abertura dos portos do Brasil por Dom João VI, o sistema de registro precário precisou seguir uma organização independente, ainda que vinculada ao Estado, para atender aos imigrantes e aos novos interesses comerciais brasileiros. Com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, as serventias extrajudiciais passaram a ser “privatizadas” pela natureza de sua delegação do Estado, através do poder judiciário, a uma pessoa física.
A Bahia, primeira capital do Brasil, foi o último estado a privatizar as serventias extrajudiciais, promovendo dois concursos até então. Devido à sua extensão territorial e às grandes dificuldades enfrentadas pela estrutura estatal ao longo dos anos, mais de mil serventias extrajudiciais foram criadas e instaladas em seus municípios e distritos.
Não há dúvidas quanto à contribuição e relevância dos serviços notariais e de registro para o desenvolvimento social e econômico da Bahia e do Brasil, devido à segurança jurídica proporcionada pela fé pública dos atos praticados, que se tornam públicos e, por outro lado, exigem maiores investimentos por parte dos titulares dos cartórios para atender às exigências institucionais de funcionamento estabelecidas pelos tribunais de justiça e pelo Conselho Nacional de Justiça.
De acordo com a Lei dos Notários, o titular de uma delegação pública deve administrar seu cartório e contratar todos os seus prepostos no regime celetista, além de promover todos os investimentos necessários para prestar os serviços e garantir a guarda dos livros e registros públicos, recebendo em contrapartida os emolumentos integrais previstos na lei Nº 10.169/00.
As obrigações tributárias, trabalhistas e de responsabilidade civil impõem compromissos financeiros consideráveis, exigindo inclusive um aporte mensal do Fundo de Compensação (FECON) para garantir uma renda mínima a mais de 400 cartórios na Bahia, a fim de mantê-los abertos.
Visando garantir o equilíbrio financeiro desse fundo e de inúmeras serventias extrajudiciais, o Tribunal de Justiça da Bahia encaminhou um projeto de lei (PL Nº 24.959/23) à Assembleia Legislativa do Estado para a extinção, acumulação e reorganização de atribuições em todos os municípios baianos. Esse projeto representa um marco positivo na atividade notarial e registral do estado e foi capitaneado pelo corregedor geral de justiça, desembargador José Edivaldo Rocha Rotondano, e pelo corregedor das comarcas do interior, desembargador Jathay Fonseca Junior, com o apoio do presidente desembargador Castelo Branco.
Na Assembleia Legislativa, o Projeto de Lei Nº 24.959/23 está sob a relatoria do Deputado Robinson Almeida, que tem a missão de ouvir a sociedade civil, a OAB e as entidades de classe da atividade notarial. Dentre os pontos que merecem destaque está o grande número de tabelionatos de notas da capital baiana que se pretende extinguir, reduzindo para apenas 8 cartórios dessa atribuição. Seria relevante perceber que o crescimento populacional e o centro de negócios na capital exigem um tratamento diferenciado, e seria mais conveniente para os usuários manter 10 cartórios, atendendo a um bom índice populacional e alcançando o equilíbrio econômico-financeiro necessário ao bom funcionamento dessas atribuições.
Além disso, a criação dos ofícios únicos nos interiores, com um perímetro de 30km de sede de comarca, é uma proposta positiva. No entanto, é necessário considerar a necessidade de ampliar esse perímetro para entre 70 e 100km, levando em conta as dificuldades enfrentadas pelos ofícios de imóveis novos e as atribuições de protesto.
Convém ainda, observar que a instalação de um posto avançado vinculado ao registro de imóveis, dentro de seu perímetro de circunscrição, fortalece o procedimento de regularização urbana e fundiária, dado sua extensão territorial. Essa medida se torna possível nos dias presentes diante do sistema eletrônico SREI hoje gerido pela ONR com regulamentação do CNJ que transformou o registro de imóveis em um ambiente digital.
Outro ponto a ser destacado é a situação dos ofícios de registro de títulos e documentos, regulados pela Lei de Registros Públicos Nº 6.015/73. Essa atribuição do sistema de registros tem perdido cada vez mais serviços obrigatórios, comprometendo seu equilíbrio administrativo, receita e despesas. O projeto de lei, talvez por falta de atenção dos representantes de classe, deixou esses ofícios em uma situação desfavorável, especialmente em comparação com aqueles que possuem atribuição exclusiva. Por exemplo, os ofícios instalados em Camaçari e Vitória da Conquista precisam ser cumulados com outras atribuições de registro, conforme orienta a Resolução 80/09 do CNJ, a fim de garantir o equilíbrio econômico-financeiro e oferecer um bom serviço aos usuários.
Atualmente, a Bahia possui mais de 600 cartórios vagos, a maioria dos quais teve a delegação extinta devido à incapacidade econômica. Portanto, é necessário realizar uma reforma necessária no sistema extrajudicial da Bahia, visando garantir o equilíbrio financeiro, a eficiência e a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos.
A reforma dos serviços extrajudiciais da Bahia é uma necessidade urgente para garantir a eficiência, a qualidade e o equilíbrio financeiro dessas atividades. A privatização das serventias extrajudiciais trouxe benefícios para o desenvolvimento social e econômico do estado, mas também impôs desafios financeiros e administrativos aos titulares dos cartórios.
O projeto de lei encaminhado pelo Tribunal de Justiça da Bahia à Assembleia Legislativa representa um marco positivo nessa reforma, buscando a reorganização de atribuições em todos os municípios baianos. É fundamental ouvir a sociedade civil, a OAB e as entidades de classe da atividade notarial para garantir que as mudanças sejam feitas de forma adequada e atendam às necessidades dos usuários.
Com uma reforma adequada, será possível modernizar e aprimorar o sistema notarial e registral da Bahia, contribuindo para o desenvolvimento do estado e garantindo a segurança jurídica tão necessária para a sociedade.
*Advogados especialistas em Direito Notarial e Registral
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