Um estudo realizado pela Unicamp ouviu quase 8 mil pessoas acima dos 50 anos e chegou a conclusões sobre o comportamento dos idosos brasileiros. Segundo artigo publicado pela Folha de S. Paulo, um terço dos idosos têm sintomas depressivos e 16% se sentem sozinhos. A presença desses sentimentos é quatro vezes mais comuns entre os idosos que relatam sempre se sentires solitários, e o risco de desenvolver depressão dobra pelo simples fato de a pessoa morar sozinha.
Natan Chehter, geriatra membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e do Hospital Estadual Mário Covas, diz que a questão do idoso morar sozinho, ela suscita alguns debates. “Por exemplo, a condição que o idoso tem para morar sozinho. É muito frequente observarmos o inverso, muitas vezes o idoso, ele gostaria de morar sozinho e não tem condições. Então, a família tem que se mobilizar para fazer com que o idoso fique com um cuidador, com alguém que possa acompanhá-lo. E muitas vezes, o inverso acontece. O idoso precisa passar com alguém, precisa estar com alguém em algum momento e a família não tem condições para isso. E aí, esse idoso fica sozinho. Esses dois cenários são bastante ruins. A gente tem algumas considerações a fazer a respeito”, analisa o médico.
Para Chehter, quando o idoso precisa morar com alguém e isso não acontece, muitas vezes a gente está diante de algum idoso que tenha se acidentado de algum idoso que tenha alguma condição neurológica ou psiquiátrica, e que está de alguma maneira se expondo a risco ou colocando o seu tratamento sob prejuízo. Nesses casos, a sensação de abandono ou de desespero, ou de solidão podem ser situações que agravem esses fatores que levaram esse idoso a precisar morar com alguém.
“Por exemplo, quando a gente fala de demência, a gente não tem exatamente uma correlação direta de solidão com demência mas a gente sabe que as pessoas que têm menos suporte social, as pessoas que têm menos relações sociais ao longo da vida têm um risco maior de demência. A gente não sabe se é porque essas pessoas acabam empobrecendo suas conexões neurais. A pessoa que tem demência e está sozinha, pode eventualmente ter o seu quadro agravado, até porque a gente sabe que intercorrências agudas, internação, infecção, etc, podem fazer com que essa pessoa piore a sua funcionalidade, fique pior do ponto de vista funcional. E isso, quando tem um idoso que mora sozinho, pode acontecer”, pondera.
Segundo o médico, é mais frequente esses idosos terem quedas, é mais frequente esses idosos terem outros tipos de acidentes domésticos e, enfim, terem necessidade de internação, etc.
Outra questão sobre esse aspecto é um idoso que, vamos dizer, que está com um diagnóstico ainda não feito de demência, quer dizer, ele está ficando mais esquecido, mais comprometido a sua atenção, enfim, está sendo mais relapso com alguns assuntos quando ele está sozinho.
“Independente de ele se sentir sozinho ou não, a gente sabe que o diagnóstico fica prejudicado porque a gente faz o diagnóstico precoce quando se percebe. Ou quando há queixa. Aparece no consultório, a gente faz um rastreio pra isso, mas em geral, o fato da pessoa não se queixar ou ninguém em volta perceber que essa pessoa está mais esquecida, essa pessoa está, enfim, mas com dificuldade em fazer suas atividades, isso prejudica o diagnóstico, isso atrasa o diagnóstico. Então, muitas vezes a gente tem essa situação, que a gente pega demências já em fases mais moderadas, justamente porque só foram perceber que essa pessoa estava com alguma dificuldade do ponto de vista cognitivo quando já estava tendo prejuízos maiores Já estava esquecendo fogo ligado, estava se perdendo, já estava se perdendo no próprio bairro, fazendo confusão com conta, caindo em golpes, etc”, alerta o dr. Chehter.
“Outro ponto são idosos que a princípio podem morar sozinhos, então eles têm essa condição do ponto de vista de funcionalidade, de cognição, então eles têm autonomia pra morar sozinhos caso eles queiram e muitas vezes não querem, muitas vezes gostariam de ter alguma forma de companhia, eu acho que aí sim a gente cai um pouco mais no perfil em que esse estudo diagnosticou, pessoas que se sentem sozinhas, então tem das pessoas que se sentem sozinhas, aquelas que realmente moram sozinhas, aquelas que têm o isolamento social propriamente dito, então pessoas que gostariam de morar e mesmo pessoas que têm alguma maneira o seu suporte formal, vamos dizer assim, então moram com algum dos filhos ou com alguém da família e tem a sua rede de suporte, mas que não se sentem acolhidos, não se sentem pertencentes, sentem solidão, então a gente está falando disso sintomas de solidão que é o que o estudo deu mais foco”, explica o especialista.
Com relação ao sentimento de solidão, ele é prejudicial. Não só porque ele pode sim agravar condições do tipo depressão, ansiedade, outras doenças neuropsiquiátricas. Ele é fator de risco para as pessoas que ainda não têm essas condições virem a apresentar. “A gente sabe que os solitários sim têm mais risco de ter depressão. A gente sabe que depressão é uma doença que tem múltiplos fatores genéticos, ambientais e assim vai. Mas a solidão, pra quem já tem alguma pré-disposição, pode ser um bom gatilho sim pra vir a desenvolver ou para piorar aquela condição que já foi diagnosticada ou já está sendo acompanhada de alguma maneira”.
Em resumo, diz Chehter, a gente tem esses dois cenários, em que o idoso está sozinho, mesmo com alguma rede de suporte. A pessoa mora com algum filho ou algum parente, mas esse parente está o dia inteiro fora de casa. Essa pessoa não tem condição de acompanhar nenhuma consulta médica, levar algum exame. Essa pessoa é uma solitária, mesmo tendo formalmente alguém junto com ela. Isso configura a solidão da mesma maneira. “A gente tem pessoas que deveriam ter alguém para apoiá-las e acompanhar, e, em casos extremos, morar com essas pessoas, porque elas precisariam de supervisão e isso também não acontece. Então elas podem ou não ter essa sensação de solidão. Isso também pode ser algo a se considerar. E, mais importante do que isso, a gente precisaria talvez pensar em como que, hoje em dia, com famílias cada vez menores, com a população vivendo mais, como é que vai ser esse planejamento para envelhecer? Muitas pessoas não têm condição financeira também de se sustentar, morar sozinhas, e, eventualmente, aquelas que queiram ter, por exemplo, alguma companhia contratada, o pessoal chama de dama de companhia, algum cuidador”, pondera Chehter,
Muitas não têm recurso financeiro para tal e, por isso, acabam morando sozinhos, por falta de opção. Então, a gente tem alguns cenários aí, do ponto de vista social, que podem impulsionar essa sensação de solidão, de abandono. “E, realmente, da maneira como a gente planejou o envelhecimento, da forma como o Brasil está se preparando para o envelhecimento, é realmente preocupante. Justamente por essa questão. As pessoas se aposentam com um poder aquisitivo muito baixo. Então, as pessoas empobrecem quando envelhecem, seja porque têm gastos maiores, seja porque saem da população economicamente ativa. Elas deixam de ganhar a mesma quantidade de dinheiro que elas estavam acostumadas. Muitas vezes, não existe um planejamento no sentido de aposentadoria, então a pessoa para de trabalhar e não tem como, tendo alguma forma de renda. Muitas vezes, a própria aposentadoria do INSS, enfim, as pessoas ou não contribuíram, contribuíram com um pouco, isso não é suficiente para manter os seus custos de vida. Então, a gente tem um problema realmente que é demográfico, que vai afetar a sociedade, que a gente vai ter muitos idosos dependentes e, consequentemente, muitos desses idosos dependentes vão ter essa questão da solidão. Muitos desses vão ser isolados do ponto de vista social, porque não tem quem possa cuidar desses. Ou mesmo aqueles que possam, eventualmente, estar com eles fisicamente, que muitas vezes não vão ter disponibilidade emocional, enfim, para poder dar esse suporte. Então é realmente um cenário bastante preocupante.”
Fonte: Mulher